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Publicada em: 26/09/2023 14:36. Atualizada em: 26/09/2023 15:41.

Dia Nacional da Pessoa Surda: Digitalizadores do TRT-4 falam sobre suas vivências com a deficiência auditiva

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Foto coletiva da equipe. Todos em pé,
Digitalizadores atuam por meio de convênio entre TRT-4 e Feneis

Sílvia tem 64 anos e lembra que, na sua época de estudos, a sinalização por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras) era proibida às pessoas surdas da sua cidade, Rio Grande, Zona Sul do Estado. Ela vivenciou o chamado "oralismo", ou oralização forçada, em que as pessoas surdas ou ensurdecidas eram obrigadas a falar e recebiam punições caso utilizassem a sinalização. Poderíamos pensar que essa conduta é coisa do século passado, mas Letícia, também surda, visitou uma associação de pessoas com deficiência auditiva no estado de Goiás, em pleno ano de 2009, e também encontrou um colega proibido de utilizar a sinalização. "Se usamos Libras o professor bate nas mãos com uma vara", reclamou ele na ocasião.

Letícia Dias da Silva
Letícia Dias da Silva

Seus nomes completos são Sílvia Mara Teixeira Pereira e Letícia Dias da Silva. Elas fazem parte de uma equipe de 16 pessoas com surdez que atuam na digitalização de processos em fase de execução em uma sala do 4º andar do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, em Porto Alegre. São terceirizadas e terceirizados contratados por meio de um convênio do Tribunal com a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis). O projeto iniciou em 2010 e, atualmente, está no âmbito da Divisão de Apoio Judiciário, que, por sua vez, está vinculada à Secretaria Processual. A equipe é completada pela tradutora e intérprete de Libras Juliana Neves Tavares, que realiza toda a comunicação com os trabalhadores e trabalhadoras, além de um servidor ou servidora do Tribunal, atuando na supervisão da unidade.

Pâmela Estreich Marques e Silvia Mara Teixeira Pereira
Pâmela Estreich Marques e Silvia Mara Teixeira Pereira

Além de enfrentar práticas que já deviam estar superadas, as pessoas surdas ou com baixa audição sofrem diversos estigmas na nossa sociedade. Devido à diferença na comunicação, muitas vezes são vítimas de chacotas, quando não completamente ignoradas, o que acarreta em imensas dificuldades em diversos âmbitos da vida: enfrentam barreiras para estudar, para trabalhar e para se relacionar até mesmo dentro das famílias. Apesar de ser uma informação bastante óbvia, é necessário frisar que a deficiência auditiva não tem relação nenhuma com outras deficiências, como as intelectuais. Pessoas surdas têm entendimento comum a respeito do mundo, apenas empregam métodos diversos de comunicação.

O que vale para outras deficiências também vale para as pessoas com surdez: são desrespeitosos os tratamentos infantilizadores, abordagens ríspidas, tons de voz acima do normal (a não ser em casos de baixa audição, o que deve ser informado pela própria pessoa), toques não solicitados ou permitidos, gestos com conotação pejorativa, dentre outras condutas.

Rosângela Fátima de Souza e Rodrigo Pereira Lima
Rosângela Fátima de Souza e Rodrigo Pereira Lima

Como forma de luta por inclusão e de conscientização sobre as dificuldades enfrentadas pela comunidade surda no Brasil, em 2008 foi instituído o Dia Nacional do Surdo, anualmente celebrado em 26 de setembro. Nesta data, em 1857, foi fundada a primeira escola para pessoas surdas no país, o Instituto Nacional de Ensino de Surdos (Ines), no Rio de Janeiro. Outros marcos do mês de setembro são o Dia Internacional do Surdo e o Dia Internacional do Tradutor-Intérprete de Línguas de Sinais (30), bem como o Dia Nacional de Luta da pessoa com Deficiência (21).

Em alusão a essas datas, utilizadas pelos movimentos de pessoas com deficiência para reafirmar a necessidade de ampliação de direitos, de inclusão e de acessibilidade, a equipe de digitalizadores terceirizados recebeu a Secretaria de Comunicação Social do TRT-4 para uma conversa a respeito das dificuldades enfrentadas no cotidiano, sobre as barreiras ainda presentes e sobre os recursos utilizados por pessoas surdas no dia a dia. O objetivo da iniciativa é esclarecer algumas questões relacionadas à deficiência auditiva, para que a interação possa ser mais proveitosa a todos e todas.

Christian Zardo Oliveira
Christian Zardo Oliveira

Interação

Existem diferentes contextos de surdez e, como consequência, diferentes estratégias de comunicação empregadas. No entanto, os trabalhadores e trabalhadoras da digitalização utilizam, de forma predominante, a Língua Brasileira de Sinais como primeira língua e a Língua Portuguesa como segunda. Todos e todas reforçaram a necessidade de que servidores e magistrados que atuam na Justiça do Trabalho aprendam Libras, para que as interações sejam possíveis. Mais do que isso, segundo Christian Zardo (27), seria importante que todos entendessem melhor a cultura surda. "Saber não apenas Libras, mas as nossas expressões, as nossas emissões de som, a nossa forma de se relacionar, tudo que faz parte da nossa cultura", exemplifica ele.

Lucas da Silva Mombach
Lucas da Silva Mombach

Mas há formas de interação possíveis mesmo para quem ainda não sabe Libras. O importante é que a abordagem seja sempre respeitosa e ocorra de forma suave, porque para uma pessoa que não ouve pode ser estranho e até motivo de susto uma abordagem ríspida e sem aviso prévio. A utilização de sinais de entendimento comum, mesmo que não seja a sinalização de Libras, também pode ser empregada.

Algumas pessoas surdas utilizam a oralização como método complementar de comunicação, ou seja, por meio de exercícios e, geralmente, com o emprego de muito esforço, aprendem a emitir palavras. Atualmente, no entanto, os celulares tornaram-se um dos principais meios de comunicação para a comunidade surda, pelo envio de textos ou pela gravação de vídeos em que empregam a sinalização.

Priscila Almeida de Almeida
Priscila Almeida de Almeida

A difusão da Libras é uma das principais bandeiras dos movimentos de pessoas surdas. Segundo Rodrigo Pereira Lima, professor de Libras e militante desses movimentos, a língua deveria ser ensinada nos diferentes cursos de graduação, como o Direito, por exemplo. "Assim, os futuros advogados e juízes já poderiam se comunicar com cidadãos surdos", aponta. "Meu sonho é que a sociedade reconheça e aceite a nossa Língua. Nós temos sonhos e desejos como as outras pessoas, e a nossa luta para concretizar esses sonhos parte dessa perspectiva".

A Libras pode ser aprendida de forma básica para interações mais simples, mas para um uso mais exigente e adequado, é necessária uma formação mais extensa. Juliana Tavares, por exemplo, fez um curso de quatro níveis na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), um estágio voluntário de um semestre na Escola Estadual para Surdos Lilia Mazeron, em Porto Alegre, além de um curso para tradução e interpretação. "São duas formações diferentes, a de Libras e a de tradutor-intérprete", esclarece. Ela atuou como intérprete em salas de aula de diversas universidades, antes de trabalhar por 11 anos na TV Assembleia. "Saí da TV porque lá a interação eram com as câmeras e aqui trabalho todos os dias com humanos", conta.

Juliana Neves Tavares, tradutora-intérprete
Juliana Neves Tavares, tradutora-intérprete

Trabalho

Como para pessoas com outras deficiências, o mercado de trabalho representa um grande desafio para quem tem surdez. Priscila Almeida trabalha há três meses como digitalizadora. Antes, atuava em um ambiente de trabalho em que só ela era surda. "Eu me esforçava muito, mas não havia intérprete nas reuniões e nos eventos. Eu ficava muito triste, porque eu era a única a não ter informação", relata. "Meu 'feedback' pra chefia era por e-mail, mas muitas vezes tive que pedir desculpas, porque não entendia a forma como escreviam, palavras muito diferentes. Ficava o estigma da 'surda que não entende nada'", lamenta. "Eu também via que passavam trabalhos desafiadores para meus colegas e para mim as tarefas mais simples. Aqui é totalmente diferente, consigo interagir, trocar. Também tem a intérprete que faz acessibilidade o tempo todo. Queria que mais lugares fossem assim".

Implante e invisibilidade

Tema recorrente e polêmico na comunidade surda, o implante coclear, principalmente em bebês, divide opiniões. Trata-se de uma medida muitas vezes adotadas sob uma perspectiva apenas clínica, de tentativa de "curar" a deficiência auditiva. Mas, para Rodrigo, quem nasce com surdez precisa ter direito à sua identidade, crescer em meio a outros surdos, adquirir a Língua de Sinais de forma natural e, depois, decidir se quer ou não ser implantado. "Claro, depende de cada caso, mas no geral precisamos sim cuidar da saúde, da qualidade de vida, mas não apenas nessa perspectiva clínica de cura", ressalta.

A deficiência auditiva é uma deficiência invisível e, por isso, muitas pessoas surdas passam por situações constrangedoras no seu cotidiano. "Me chamam, tocam em mim. Quando falo que sou surdo, a primeira reação é um susto", espanta-se Rodrigo. "Pior. Eu faço o sinal de surdez e as pessoas ignoram, seguem como se aquilo não existisse", aponta Cristian.

Pâmela Estreich Marques tem baixa audição e se sente em um "limbo", por não ser surda total e por não ouvir completamente. "Eu estou sempre em cima do muro. Quando estudava, sentava na frente e procurava não conversar para tentar entender. Mas não respeitavam, falavam comigo, eu sofri muito 'bullying' na escola", relembra. "O que eu mais ouço é 'tá se fazendo de surda', por ouvir em um lado e não no outro. Acham que é um deboche, uma brincadeira".

Filhos

Rosângela Fátima de Souza é surda e casada com uma pessoa também surda. Eles tiveram dois filhos ouvintes, uma mulher atualmente com 36 anos e um homem, com 28. Segundo ela, as crianças adquiriram com naturalidade a Língua de Sinais, desde pequenas, mas também ensinaram palavras a ela, em um aprendizado constante para todos. "Os avós também foram muito importantes na criação deles. Mas aprenderam muito cedo que a mãe e o pai são surdos. Por exemplo, sabiam que precisavam me chamar na minha cama quando precisavam de algo, não adiantava chamarem do quarto deles", conta.

Ela recomenda que sejam feitos de forma adequada os exames pré-natais, para detecção de doenças capazes de causar surdez, mas, como seu próprio exemplo sugere, os pais que descobrem a deficiência em um filho não precisam entrar em pânico. Já Rodrigo afirma que, ao contrário, é necessário arregaçar as mangas e irem à luta. "O primeiro passo é procurar a comunidade surda, as associações de surdos do local, para que obtenham informações diretamente de pessoas surdas", indica. "Procurar recursos, se informar, pesquisar. em resumo, lutar", ensina.

Central de Libras

Porto Alegre implantou, em maio deste ano, a Central de Interpretação de Libras. Trata-se de um serviço à disposição das pessoas surdas que frequentam órgãos públicos da cidade, como hospitais ou secretarias. Assim, se uma pessoa surda estiver em uma consulta médica, por exemplo, poderá fazer uma chamada de vídeo para a central, na qual será atendido por um profissional intérprete de Libras, que fará a mediação entre a pessoa e o profissional médico. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8 às 18h, via atendimento remoto imediato ou por agendamento, através do número (51) 98016-9060. A iniciativa é uma parceria do Município com a Feneis.

Além dos nomes dos trabalhadores e trabalhadoras já citados neste texto, compõem a equipe de digitalizadores as seguintes pessoas:  Alexis Enrique Melendez Cabrera, Deividi Richardi Machado, Ederson Chiappa da Silva, Jaderson Arcanjo Gomes, Laise Coltro, Lucas da Silva Mombach, Marcilio Julio de Castilhos Filho, Milena del Valle Urbina Jimenez e Regis da Silva Lucas.

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Fonte: Texto de Juliano Machado e fotos de Guilherme Villa Verde (Secom/TRT4)
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