Presidente do TRT-RS destaca combate à litigância abusiva e uso de inteligência judiciária em congresso trabalhista empresarial
O presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), desembargador Ricardo Martins Costa, participou, nesta sexta-feira (14/11), do painel “Acesso à Justiça e Litigância Abusiva na Justiça do Trabalho”, realizado durante o Congresso Trabalhista Empresarial, promovido pelo Conselho de Relações do Trabalho (Contrab) da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), em parceria com a Satergs.
O evento reuniu profissionais do Direito, gestores públicos, advogados, pesquisadores e representantes de entidades laborais e empresariais. Entre os demais painelistas, esteve a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi.
Litigância abusiva e violação sistemática de direitos fundamentais
Na sua manifestação, o presidente apresentou um panorama abrangente sobre o fenômeno da litigância abusiva na Justiça do Trabalho, com ênfase em práticas concebidas para obter vantagens indevidas mediante uso estratégico e distorcido do processo judicial.
O magistrado observou que a litigância abusiva envolve o uso do processo “para impor custos desnecessários ao titular do direito”, por meio de recursos protelatórios, teses jurídicas sem fundamento e estratégias de repetição sistemática. Segundo ele, trata-se de um fenômeno racional e estruturado, “fustigado ou manejado por grandes estruturas empresariais e públicas”, que utilizam a lentidão processual como variável econômica:
“Refiro-me à chamada escolha racional, de agentes que apostam em estratégias procrastinatórias ao verificarem que os custos totais do sistema de justiça são inferiores aos benefícios decorrentes da lentidão que ajudam a acentuar.”
O presidente citou casos típicos no âmbito trabalhista, como inadimplementos reiterados, judicialização massiva de obrigações já consolidadas e a utilização predatória de recursos. Ele destacou que grandes grupos econômicos, instituições financeiras, empresas de telefonia e redes multinacionais figuram entre os maiores litigantes, gerando efeitos estruturais negativos:
“Por meio dessas práticas, o custo de cumprimento das normas de proteção social é transferido ao Estado, com efeitos perversos.”
Entre esses efeitos, mencionou a sobrecarga do Judiciário, o aumento das despesas públicas e o desprestígio do acesso à justiça.
Martins Costa também abordou a litigância abusiva praticada por entes públicos, especialmente em contratos terceirizados, descrevendo um “modus operandi” recorrente:
“A empresa ganha o processo licitatório pelo menor preço. Quando se aproxima o final do contrato, começa a deixar de pagar vale-alimentação, vale-transporte e parcelas rescisórias. Isso abarrota o Judiciário.”
Segundo ele, a transferência sistemática de custos aos trabalhadores gera impacto direto sobre créditos alimentares e agrava a vulnerabilidade nas relações de trabalho.
O magistrado mencionou a extensão irregular de jornadas como exemplo de prática reiterada que se transforma em modelo econômico amparado na lentidão judicial.
Diagnóstico, centros de inteligência e cooperação institucional
O presidente defendeu que o enfrentamento da litigância abusiva exige mudanças estruturais, afirmando ser insuficiente ampliar quadros de magistrados e servidores:
“Não adianta absolutamente nada fazer concurso para juiz ou aumentar o número de servidores. Temos que entrar na causa determinante dessa atitude abusiva.”
Nesse sentido, Martins Costa destacou a necessidade de investimentos em inteligência, coleta e análise de dados, identificação de padrões e uso controlado de ferramentas tecnológicas.
Apontou o papel pioneiro do TRT-RS na criação de seu Centro de Inteligência Judiciária, estruturado à luz da Resolução 349/2020 do CNJ:
“Posso dizer com satisfação que nosso Tribunal foi o primeiro a criar e estabelecer regras envolvendo centros de inteligência.”
O órgão atua em cooperação permanente com tribunais da região Sul e com entes públicos, permitindo identificar grupos econômicos reiteradamente inadimplentes, rastrear fluxos financeiros e detectar estruturas utilizadas para ocultação de responsabilidades.
Precedentes qualificados e segurança jurídica
Martins Costa afirmou que ambientes de insegurança jurídica favorecem a expansão do abuso processual. Defendeu maior adesão às políticas de precedentes dos tribunais superiores:
“Os precedentes têm uma função fundamental: estabilizar. O TST está fazendo o seu dever de casa.”
Segundo o desembargador, a consolidação de entendimentos vinculantes permite que agentes econômicos ajustem suas condutas e reduzam judicializações desnecessárias:
“Pouco importa o que o Tribunal pense, desde que eu saiba o que o tribunal pensa”, exemplificou Martins Costa sobre a fala de um empresário que o procurou para tratar do tema.
Ele encerrou defendendo uma postura mais firme do Judiciário:
“Está na hora de dar um basta à perpetuação de comportamentos abusivos.”
No mesmo painel, também participaram como debatedores o juiz do Trabalho Otávio Calvet, do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, e a juíza do Trabalho aposentada do TRT-RS Janete Deste. A mediação foi do advogado André Zuco, tesoureiro da Satergs e conselheiro do Contrab/FIERGS.
Inovação tecnológica
A palestra da ministra Maria Cristina Peduzzi, do Tribunal Superior do Trabalho, teve como tema “Inteligência Artificial: Reflexos para a advocacia e para a atividade jurisdicional”.
Ela destacou que o avanço da inteligência artificial no sistema de justiça exige governança robusta, transparência e controle institucional, ressaltando que a discussão não pode se restringir à eficiência tecnológica. Segundo a magistrada, está em jogo “o núcleo desse ideal de justiça”, o que demanda “parâmetros normativos claros, mecanismos de controle institucional” e respeito aos direitos fundamentais.
A ministra citou a Resolução 615/2025 do CNJ, que estabelece diretrizes sobre ética e governança no uso de IA, e observou que a Justiça do Trabalho brasileira já incorporou uma série de sistemas inteligentes em tarefas de triagem, organização, pesquisa e apoio à atividade jurisdicional.
Maria Cristina Puduzzi destacou o Galileu, sistema desenvolvido pelo TRT-RS. A ministra lembrou que o Tribunal foi “pioneiro no desenvolvimento desse grande sistema”, hoje compartilhado com outros ramos do Poder Judiciário por meio de acordo técnico com o Supremo Tribunal Federal (STF). Ela enfatizou que o modelo representa uma estratégia institucional voltada à inovação e reforçou a importância de manter a supervisão humana contínua.
A mediação do painel foi dos advogados Guilherme Scozziero, diretor do CIERGS e Coordenador do Contrab, e Camilo Gomes de Macedo, vice-presidente da Satergs.
Pejotização
O Congresso também contou com o painel “Perspectivas sobre o julgamento do Tema 1389 (Pejotização)”, que reuniu especialistas para debater os possíveis impactos da decisão do Supremo Tribunal Federal. Participaram como painelistas o advogado e professor Nelson Mannrich, e a advogada e conselheira do Contrab/FIERGS Alessandra Lucchese. A mediação ficou a cargo do advogado Fábio Muller Vieira, executivo do Contrab/FIERGS.

