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Publicada em: 24/04/2025 12:20. Atualizada em: 24/04/2025 12:20.

Entrevista: “Adoecimento mental revela falha estrutural na promoção de ambientes de trabalho saudáveis”, diz juiz Marcelo Caon

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Fotografia retrato de Marcelo CaonAbril é tradicionalmente o mês em que a saúde e a segurança no ambiente de trabalho ganham destaque nacional, por meio da campanha Abril Verde. 

Nesse contexto, conversamos com o juiz Marcelo Caon Pereira, um dos gestores regionais do Programa Trabalho Seguro (PTS) no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), sobre o preocupante avanço dos transtornos mentais relacionados ao trabalho. 

Segundo dados recentes do Ministério da Previdência Social, o Brasil registrou mais de 470 mil afastamentos em 2024 devido a problemas psicológicos, o maior número dos últimos dez anos.

O magistrado avalia os fatores que impulsionam essa crise de saúde mental e reforça a importância das empresas na prevenção de riscos psicossociais. 

“O impacto é multidimensional: atinge a produtividade, sobrecarrega o sistema previdenciário e evidencia uma falha estrutural na promoção de ambientes de trabalho saudáveis”, afirma. 

Caon também destaca o papel transformador da Justiça do Trabalho não apenas na reparação dos danos, mas também na educação preventiva: “A saúde mental deve ser tratada como um direito trabalhista, e não como um benefício opcional”, defende.

O magistrado ainda analisa mudanças recentes na legislação, como a atualização da NR-1, que passou a exigir a gestão de riscos psicossociais, e sugere caminhos para que empresas e sociedade enfrentem esse desafio crescente. 

“O cenário atual exige uma mudança urgente de mentalidade”, alerta.

Confira a íntegra da entrevista com o juiz Marcelo Caon:

1. Dados recentes do Ministério da Previdência Social mostram que o Brasil registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais em 2024, o maior número dos últimos 10 anos. Como o senhor avalia o impacto desse cenário?

Esse dado chama atenção e revela um adoecimento silencioso que vem se agravando nos ambientes laborais. O impacto é multidimensional: atinge a produtividade das empresas, sobrecarrega o sistema previdenciário e, sobretudo, evidencia uma falha estrutural na promoção de ambientes de trabalho saudáveis. Esse é um reflexo direto de modelos de gestão que ainda não incorporaram, de forma efetiva, a saúde mental como prioridade estratégica. 

2. Houve um aumento de 68% nos afastamentos por transtornos mentais em relação ao ano anterior. Quais as responsabilidades legais que as empresas têm nesse contexto crescente de adoecimento mental relacionado ao trabalho?

Do ponto de vista jurídico, as empresas têm o dever de zelar pela saúde e segurança de seus empregados, conforme previsto no art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal, e no art. 158 da CLT. Isso inclui a prevenção de riscos psicossociais. Ignorar sinais de sofrimento mental dos empregados pode eventualmente abrir margem para responsabilização dos empregadores por doenças ocupacionais. 

3. O Ministério do Trabalho atualizou a NR-1 (norma que estabelece as diretrizes de saúde e segurança no trabalho no Brasil) para permitir fiscalização e aplicação de multas relativas à saúde mental no trabalho. Como o senhor enxerga a importância dessa nova fiscalização para a prevenção de doenças psicológicas no ambiente laboral?

A principal mudança é a inclusão dos riscos psicossociais no gerenciamento de riscos ocupacionais, o que significa que, a partir de agora, as empresas devem identificar, avaliar e gerenciar esses riscos da mesma forma que fazem com os riscos físicos e químicos. Essa atualização é um avanço significativo, pois dá base normativa para que auditores fiscais do trabalho verifiquem o cumprimento de medidas voltadas à saúde mental, auxiliando na promoção de ambientes de trabalho psicologicamente seguros e reforçando a responsabilização das empresas que falham neste aspecto. 

4. A maioria dos afastamentos, conforme os dados da Previdência, é entre mulheres (64%), com idade média de 41 anos. Do ponto de vista jurídico, o que pode ser feito para proteger esses grupos mais vulneráveis dentro das relações de trabalho?

A proteção jurídica desses grupos deve envolver ações afirmativas, políticas internas de combate à discriminação e à sobrecarga de trabalho, bem como o acolhimento de demandas específicas — como as relacionadas à dupla jornada e à violência psicológica. Além disso, é fundamental facilitar o retorno ao trabalho após afastamentos, sem estigmatização. 

5. O Rio Grande do Sul aparece entre os estados com maior proporção de afastamentos por transtornos mentais em relação à população. Que fatores locais o senhor acredita que agravam a crise de saúde mental dos trabalhadores gaúchos?

O Rio Grande do Sul enfrenta particularidades socioeconômicas e culturais que podem intensificar o sofrimento psíquico, como o histórico de desastres climáticos recentes, o encolhimento de setores econômicos tradicionais e, por vezes, uma cultura de resiliência do povo gaúcho, que acaba por marginalizar pedidos de ajuda. Esses fatores aumentam a pressão sobre os trabalhadores, especialmente em regiões onde o acesso à saúde mental é mais limitado. 

6. Especialistas ouvidos em recente reportagem do portal G1 sobre o tema apontam que o luto da pandemia, a pressão financeira e o aumento da informalidade contribuíram para a explosão de casos. Na sua avaliação, de que forma a Justiça do Trabalho pode colaborar para minimizar os efeitos dessa onda de sofrimento psíquico?

A Justiça do Trabalho tem um papel essencial tanto na reparação quanto na prevenção do sofrimento psíquico relacionado ao trabalho. No âmbito dos processos, isso se dá por meio do reconhecimento da existência do nexo causal entre as condições laborais e o adoecimento mental, garantindo aos trabalhadores indenizações. Fora dos processos, iniciativas como o Programa Trabalho Seguro (PTS) podem ser transformadoras, ao induzirem boas práticas por meio de ações educativas. 

7. Segundo o INSS, as pessoas afastadas por saúde mental ficam, em média, três meses longe do trabalho, recebendo cerca de R$ 1,9 mil por mês, com um impacto de quase R$ 3 bilhões em 2024. Esse custo social pode ter reflexos nas decisões judiciais envolvendo nexo causal entre trabalho e doença mental?

Certamente. O impacto financeiro crescente tende a incentivar uma análise mais rigorosa da responsabilidade empresarial sobre o adoecimento mental. Ainda que cada caso dependa de prova técnica e específica, há uma tendência de maior sensibilidade dos tribunais ao nexo causal quando há evidências de ambientes de trabalho tóxicos, metas abusivas ou assédio moral sistêmico. 

8. Muitos trabalhadores ainda enfrentam dificuldades para obter o diagnóstico de transtornos como o burnout. Como a Justiça do Trabalho lida com as provas periciais nesses casos, considerando a complexidade do diagnóstico?

A Justiça do Trabalho vem evoluindo no reconhecimento da complexidade dessas doenças. O laudo pericial psiquiátrico é o principal meio de prova, mas o juiz pode considerar elementos adicionais, como depoimentos testemunhais e do próprio trabalhador, histórico ocupacional e outros documentos médicos. A subjetividade do diagnóstico ainda é um desafio, mas há um esforço crescente para capacitar peritos e magistrados na análise desses casos. 

9. Pesquisadores afirmam que ambientes tóxicos de trabalho, expostos durante a pandemia, continuam pressionando trabalhadores até hoje. Que ações as empresas podem adotar para mitigar riscos jurídicos relacionados à saúde mental de seus empregados?

As empresas devem adotar uma postura preventiva e proativa: implementar programas de bem-estar psicológico, treinar lideranças para reconhecer sinais de sofrimento mental, garantir canais seguros de escuta e denúncias, e promover o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. A elaboração de um programa de gerenciamento de riscos psicossociais, com base nas atualizações da NR-1, também é uma ferramenta jurídica eficaz. 

10. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 12 bilhões de dias úteis sejam perdidos por ano no mundo devido à depressão e ansiedade, conforme citado na reportagem. No seu entendimento, o debate sobre saúde mental no trabalho ainda é subvalorizado nas relações trabalhistas brasileiras?

Infelizmente, sim. Ainda há uma percepção de que a saúde mental é uma questão pessoal, desvinculada das condições de trabalho. No entanto, o cenário atual exige uma mudança urgente dessa mentalidade. A subvalorização do tema resulta em omissão empresarial, invisibilidade dos sintomas e agravamento do adoecimento. A saúde mental deve ser tratada como um direito trabalhista, e não como um benefício opcional.

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Fonte: Eduardo Matos (Secom/TRT-RS)
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