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Publicada em: 03/12/2007 00:00. Atualizada em: 03/12/2007 00:00.

A cantada é livre, certo?

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Início do corpo da notícia.
* Rodrigo Trindade de Souza
Local de trabalho deve ser o mais propício ao início de romances: o convívio diário, as alternâncias entre momentos de tensão e descontração, o intervalo para o cafezinho, a festa de final de ano. São várias as oportunidades em que o "colega" pode passar a ser "algo mais" e as cantadas aí são inevitáveis.
Acontece que "cantada" pode, tudo bem. Já o "assédio" ... Apesar de não ser novidade no local de trabalho, o assedio sexual apenas recentemente passou a ser reconhecido e punido pelos tribunais brasileiros. Informações da Organização Internacional do Trabalho dão conta que 52% das mulheres economicamente ativas já foram sexualmente assediadas. No caso específico do Brasil, pesquisa promovida pelo Sinesp - Sindicado das Secretarias do Estado de São Paulo - concluiu que 25% de suas associadas também já foram alvo de assédio de seus superiores.
Atualmente, há, inclusive, previsão no Direito Penal para o crime de assédio. Diz a lei que ocorre o crime de assédio sexual quando o sujeito (normalmente o homem patrão), usando de sua condição hierárquica superior, constrange funcionária para obter alguma vantagem ou favorecimento sexual. O assédio ultrapassa a mera "cantada", pois o pedido de favores sexuais é posto com a promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação. Ou mesmo com ameaças, ou atitudes concretas de represálias no caso de recusa, até com a perda do emprego.
Não havendo o confronto entre a chantagem decorrente do poder hierárquico do superior e a intenção de obter a vantagem sexual, não se configura o assédio sexual trabalhista indenizável. Aí, sim, é mera cantada. Por isso, o colega que tenta seduzir companheira ou companheiro de trabalho, superior ou inferior hierárquico, lançando-lhe galanteios, mas não condicionando suas intenções sexuais a qualquer facilidade decorrente do posto de trabalho ocupado, não comete o ilícito. Trata-se apenas do flerte, do elogio, da popular "cantada", e tais figuras não se confundem com a grave figura do assédio sexual.
Mas o grande problema de punir o assediador é a dificuldade de provar a conduta. Ocorre que a ação é quase sempre executada quando apenas a vítima está presente. O assediador prefere se esconder, ser discreto, lançar suas investidas a portas fechadas. É por isso que a prova nesses processos judiciais é bem difícil de ser produzida. Obriga o juiz a usar de indícios, presunções, "quase provas".
Foi isso que teve de fazer uma colega de magistratura, Dra. Laura. Era juíza, muito bonita, jovem, morena, vistosa, bem arrumada ... Foi tomar os depoimentos em processo em que se buscava indenização por assédio sexual. A prova, claro, seria bem difícil, pois a suposta vítima trabalhava diretamente com o chefe assediador, sem outros colegas do setor. Ninguém tinha visto as investidas do patrão na funcionária.
Chamadas as partes para entrar na sala de audiências, adentraram autora e seu advogado e, logo atrás, o procurador do réu. Sentaram-se à mesa e cumprimentaram formalmente a juíza. Mas aí veio o ex-patrão. Vestia-se no look assediador: óculos escuros, camisa aberta até a metade, corrente de ouro. Já ia sentando, quando viu a juíza e encheu os olhos. Desistiu de tomar o lugar, foi até a mesa da magistrada e estendeu-lhe a mão. Atitude estranhíssima, mas Dra. Laura ofereceu-se para o cumprimento. Pois o homem agarrou o pulso, baixou o Ray Ban no nariz, tascou um beijo na mão da autoridade e disse, bem cafajeste: "Doutora, encantado!".
Parece que ai o convencimento da juíza sobre o assédio a ex-empregada foi bem mais fácil. Cantada é livre, mas cantar a juíza foi quase uma confissão.
* Juiz do Trabalho Substituto e Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho
Fim do corpo da notícia.
Fonte: Jornal O Sul, 02/12/2007
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