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Publicada em: 06/02/2008 00:00. Atualizada em: 06/02/2008 00:00.

Quem é o preposto?

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Início do corpo da notícia.
Valdete Souto Severo*
No processo do trabalho, a CLT expressamente determina que a empresa compareça às audiências, facultando ao empregador "fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas declarações obrigarão o proponente" (art. 843, § 1o). O preposto, portanto, é alguém que presenta a empresa em juízo, cujas informações podem implicar, inclusive, confissão real. Por isso o entendimento do TST, convertido em súmula em abril de 2005 (Súmula 377), refere que o preposto deve necessariamente ser empregado da empresa. O entendimento é absolutamente compatível com a razão de ser desse presentante. Como não é possível exigir que empresas grandes venham sempre acompanhadas de um de seus sócios, é razoável que tragam, para falar em seu nome, um empregado que tenha conhecimento pessoal dos fatos controvertidos da lide.
O objetivo da oitiva da parte em juízo não é repetir o que os documentos já dizem. Para isso, a presença do autor ou do presentante da empresa é totalmente desnecessária, já que o Juiz tem a obrigação de ler integralmente os autos do processo. Também não é reforçar teses apresentadas na petição inicial ou na defesa. A presença do preposto só se justifica porque pode haver necessidade de esclarecimento de fatos objetivos. Pode haver discussão acerca de matérias insuscetíveis de serem provadas por documentos, como alguma situação de fato que tenha justificado a despedida do trabalhador.
E se há essa necessidade, de nada vale um preposto que não tenha trabalhado no mesmo período do reclamante ou que não tenha tido contato algum com o trabalhador durante sua prestação de serviços. Quando as empresas apresentam pessoas contratadas depois do encerramento do vínculo ou que não conviveram com o trabalhador, negam eficácia à regra do artigo 843, § 1o, da CLT. Por conseqüência, afrontam um princípio basilar em direito processual. Em juízo, as partes devem ter o que Ovídio Baptista chama de "paridade de armas", ou seja, devem ter as mesmas oportunidades de deduzir seus argumentos e obter o sucesso. Esse princípio é rompido quando o reclamante, que deve estar pessoalmente presente, se vê diante de uma empresa representada por pessoa que não tem conhecimento algum da realidade havida durante a execução do seu contrato de trabalho.
Não é por razão diversa que o processo do trabalho é orientado pelo princípio da primazia da realidade. Busca-se a realidade por trás das formas, por trás dos documentos. E essa realidade no mais das vezes vem ao processo pelas declarações das partes.
Ainda assim, a jurisprudência tem aceitado prepostos que não detêm conhecimento pessoal dos fatos, que não são empregados ou que sequer trabalharam na época do contrato discutido no processo. Muitas decisões negam a ocorrência de confissão, na hipótese em que o preposto declara ao Juiz ter conhecimento dos fatos "pela leitura dos autos do processo".
Essa compreensão abrangente do conceito de preposto vem gerando, porém, distorções incompatíveis com a ética e a busca da Justiça, elementos essenciais à atuação do Poder Judiciário. É a figura do "preposto oficial". Empresas grandes vêm contratando pessoas exclusivamente para atuarem como prepostos. Pessoas que passam seus dias nos foros trabalhistas ou em escritórios estudando processos, para depois informarem aos juízes fatos sobre os quais não detêm qualquer conhecimento pessoal. Essas pessoas muitas vezes não têm sequer seus vínculos formalmente reconhecidos. São bacharéis recém formados, ou estudantes de direito, contratados como "estagiários", sem a formalização do respectivo contrato, ao argumento cruel de que estão obtendo o "favor" de uma experiência profissional. Com isso, torna-se letra morta a norma processual trabalhista. Fere-se de morte o princípio da paridade de armas, já que ao trabalhador é vedada a possibilidade de obter a confissão real, que ao empregador é sempre garantida.
Chegamos ao ponto principal dessa breve reflexão. O processo reflete as relações humanas. É apenas um dos muitos espelhos da nossa sociedade. Será demais exigir das partes que ajam com ética, respeitando a Lei? Será muito exigir de nossos estudantes e bacharéis em direito que vejam as regras processuais como "coisa séria", não participando de situações como aquela antes descrita? Será razoável esperar das partes uma conduta de lealdade processual, tal como preconiza o artigo 14 do Código de Processo Civil vigente?
É interessante perceber que são justamente as empresas de grande porte, que em tese teriam maior facilidade em dispor de empregados para participar das audiências, aquelas que adotam a conduta antes descrita. Talvez a postura elástica da jurisprudência tenha facilitado tais distorções. Talvez seja uma questão cultural. De qualquer modo, é algo a ser repensado. Apenas um exemplo a revelar a necessidade de superarmos a noção de processo como um jogo de artimanhas no qual vence quem se revela mais hábil em burlar as regras.
*Juíza do Trabalho Substituta
Fim do corpo da notícia.
Fonte: Jornal O Sul, 03/02/2008
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