Decisão do TRT-RS confirmada pelo TST garante preferência no pagamento de precatório em favor de idoso com câncer
O Tribunal Superior do Trabalho confirmou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região e determinou o sequestro de R$ 97,2 mil do Estado do Rio Grande do Sul para o pagamento de precatório em favor de idoso com câncer de próstata e que não tinha condições de arcar com o tratamento. A decisão inédita do Órgão Especial do TST, que permitiu a quebra da ordem cronológica da apresentação dos precatórios, baseou-se nos princípios constitucionais da supremacia do direito à vida e da dignidade do ser humano.
O autor da ação ingressou com reclamação trabalhista contra a Companhia Intermunicipal de Estradas Alimentadoras (Cintea) em 1995. O precatório confirmando seu direito às verbas trabalhistas reivindicadas foi expedido em 2000 e ainda aguardava o pagamento, condicionado pela ordem cronológica na qual foi apresentado. Inconformado com a demora e necessitando do valor para custear a terapia contra sua doença, o reclamante recorreu ao TRT-RS. O Desembargador-Presidente Carlos Alberto Robinson, responsável pela apreciação desta natureza de pedido (par. 6º do art. 100 da Constituição Federal), mencionou que recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal em casos semelhantes deferiram o recebimento, excepcionalmente, pela via do sequestro de valores da conta do Estado, e autorizou igual procedimento.
O Estado interpôs agravo regimental, mas o Órgão Especial do TRT-RS manteve a decisão do Presidente. O executado recorreu então ao TST, onde o recurso ordinário foi relatado pelo Ministro Lelio Bentes Corrêa, que destacou que seu voto buscou proteger o idoso da excessiva demora na tramitação dos precatórios, “capaz de comprometer o seu direito a uma vida digna”. Segundo o ministro, a Emenda Constitucional 62, de 9/12/2009, que deu nova redação ao artigo 100 da CF, atribuiu caráter absolutamente preferencial aos créditos de natureza alimentar de titularidade de pessoas idosas ou portadoras de moléstias graves, admitindo, inclusive, o sequestro de valores, a requerimento do credor, “nos casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação de seu crédito”.
O relator ponderou, ainda, que o legislador, ao introduzir a nova ordem constitucional, resguardou o princípio da igualdade de tratamento entre os credores – motivo da existência dos precatórios. Mas, por outro lado, revelou preocupação justificada com os casos de manifesta desigualdade resultante da aplicação indiscriminada da regra geral. São grupos de pessoas em condições vulneráveis que sofrem com maior intensidade com a demora da longa fila de espera para o recebimento dos precatórios. Segundo o ministro Lelio, essa espera pode comprometer, de forma irreversível, “o pleno gozo das garantias constitucionais do direito à vida e à dignidade humana”. Esses princípios fundamentais, disse o relator, não podem ser suplantados pelo princípio da igualdade de tratamento dos credores da Fazenda Pública.
História de vida
O autor da ação, um senhor de 82 anos, foi contratado pelo antigo Instituto Gaúcho de Reforma Agrária em 1970, para exercer a função de “blaster”, e foi demitido, sem justa causa, em março de 1994.
“Blaster” é uma profissão antiga, mas pouco conhecida. Também denominados "cabos de fogo" ou "detonadores", esses profissionais são responsáveis por preparar, calcular e instalar dinamites para destruir rochas, geralmente em aberturas de estradas, pedreiras e minas. É uma profissão de altíssimo risco, e somente especialistas do Exército podem habilitar profissionais para exercê-la.
Segundo relato na peça inicial da ação, este era exatamente o caso do autor: em contato permanente com explosivos, em condições de risco acentuado, ele era responsável por instalar dinamites nas rochas e dar os tiros necessários para a detonação. Morador do município de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, trabalhava cerca de 12 horas por dia. O crédito trabalhista que gerou os precatórios foi proveniente da decisão favorável relativa aos pedidos de adicional de periculosidade, aviso prévio e horas extras.