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Publicada em: 04/12/2020 20:09. Atualizada em: 07/12/2020 13:53.

Encontro Institucional: Conferência da jornalista e artista Elisa Lucinda destaca o poder da palavra nas relações sociais

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Elisa Lucinda - site.pngO XV Encontro Institucional da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul foi encerrado na manhã desta sexta-feira (4). Música e poesia marcaram a fala da atriz, jornalista, cantora e poetisa capixaba Elisa Lucinda, que ministrou a conferência de encerramento. Partindo da ideia de que “Palavra é Poder”, tema da conferência, Elisa questionou os presentes: “que compromissos vocês estão tendo com suas palavras?”

Aos 62 anos, Elisa se define como uma artista comprometida com o seu tempo. Ela levou aos magistrados e servidores histórias de sua trajetória profissional e pessoal que permitiram reflexões de humanidade, empatia e sensibilidade, adequadas aos tempos atuais.

A artista falou sobre a importância de se fazer entender, de não se levar adiante a linguagem que exclui e não é acessível a todos. Relembrou uma ocasião em que se preparou para falar para estudantes adolescentes em um colégio. Quando chegou à sala de aula, o ouvinte mais “velho” tinha  sete anos. Surpresa, resolveu encarar o desafio e começou dizendo a eles que as palavras eram mágicas. Narrou um poema de Olavo Bilac que tinha decorado aos oito anos, sobre um pássaro que vivia no cativeiro. Depois, declamou  aos pequenos um poema escrito por ela quando a mãe faleceu. Ao final, um menino de 5 anos perguntou: “A senhora não tinha vó?”. Ali, segundo ela, deu-se a comunicação. O desafio e de se fazer entender foi cumprido. “Eles entenderam tudo”.

A palestrante destacou, também, as questões de luta pela igualdade. Falou de aspectos da cultura brasileira sem os quais “não se pode pensar a História do País”: as raízes indígenas e negras. Segundo ela, desconsiderar esses importantes agentes não permite, por exemplo, o exercício da empatia, o “sofrer com quem sofre”. E essa impossibilidade de enxergar essas pessoas com empatia se deve, dentre outros fatores, à ausência delas como integrantes de quadros na magistratura, promotorias e outras funções de Estado. “Há apenas algumas exceções que confirmam a regra”, pontuou.

O momento de desconstrução do racismo estrutural exige, conforme Elisa, que haja uma luta contra a desigualdade e o preconceito. Ela contou sobre momentos em quem que passou por situações de discriminação. Por exemplo, quando entrou em um mercado e foi abordada pelo gerente, que insinuou que ela não teria dinheiro para comprar. E quando seu pai, dirigente de Rotary Club, foi confundido com garçom porque usava um terno. “Vocês, magistrados, têm um grande compromisso com a palavra. De tudo o que foi dito nessa manhã, eu gostaria que ficasse uma reflexão: Olhem para o que sai de suas bocas. Vocês podem olhar se ainda há palavras racistas. O que suas palavras estão deixando por aí?”, indagou.

Cantando a música “Deixando o pago”, composta por  Vitor Ramil, a partir do poema de João da Cunha Vargas, a convidada trouxe mais uma mensagem: “É muito bom ouvir alguém cantando uma música da terra da gente. É importante quando alguém fala o que conseguimos entender. Eu gostaria muito de ver a palavra dos que julgam falando a mesma língua dos que são julgados”. E o questionamento final, antes de mais uma música, desta vez “Zé do Caroço”, de Leci Brandão: “Com as palavras a gente muda o mundo. O que a sua palavra produz? A paz ou a guerra?”.

 
Palavras que condenam, que absolvem, que culpabilizam...
Palavras que enaltecem, que curam, que engrandecem e estimulam


 A atriz considera a que  a palavra foi criada para construir um elo de paz, sendo um instrumento de cidadania. “Meu pai sabia do racismo que existia em toda a sociedade e que apenas a educação poderia amenizar a situação. É preciso que a palavra seja valiosa. Educação é poder, palavra é poder. A palavra tem força!”.
 

“Muitos excluem o outro pela ausência da palavra”

“Quando alguém chegava em casa, eu apresentava minha funcionária doméstica: Esta é a Valéria Falcão. Chegavam jornalistas aqui, pessoas pra fazer gravações e perguntavam se ela era minha prima, porque Valéria Falcão é um nome forte. E empregado, desde a escravidão, não tem sobrenome, não é cidadão. Uma vez ela foi levar exames a um nefrologista, pois havia uma suspeita de pedras renais. O médico sabia da profissão de doméstica e a atendeu parado na porta do consultório, prescreveu uma medicação em 2 minutos. A Valéria, que tinha se tornado uma amiga, lia meus livros, as poesias, os originais, disse a ele: Doutor, isso que o senhor está fazendo é irresponsável, o senhor não pode prescrever uma medicação sem ver meus exames, sem fazer uma anamnese. Naquele momento, quando ela falou a palavra “anamnese” desconstruiu a imagem que aquele médico tinha de “empregada doméstica.  Ela reclamou e conseguiu ser atendida por outro profissional. Ninguém quer alguém que abriu o olho, no meio da manada”, relatou.

 
Quem não sabe falar não levanta a cabeça

“Vivemos em uma sociedade em que o jogo é roubado. É ilusão falar em meritocracia quando a gente sabe que um menino de 14 anos tem que desistir da escola porque ele não consegue levar o trabalho junto com os estudos. Aí, tem um outro aqui no Leblon que está em dúvida entre fazer o intercâmbio na Austrália ou em Nova Iorque, que ele já conhece.

Eu que não sou da Justiça, sei que existe um túnel invisível entre o êxodo escolar e as prisões. E há uma passividade imensa entre os homens de bem. É aquilo que Luther King falava: me preocupa o silêncio dos bons. Não haverá paz sobre a desigualdade e é preciso que todos estejam comprometidos. É uma conta que não fecha. A maior conta dessa sociedade deveria ser a de dividir”.

 
A palavra muda todo o jogo

“Um domingo de manhã, eu, meu marido e meu filho estávamos andando de bicicleta e vi quando meu filho foi abordado por um policial. Fui apressada ver o que estava acontecendo, descobrir o porquê da abordagem. O policial disse que estava fazendo a abordagem porque ele tinha o ‘aspecto de suspeito’. Não é nada com a senhora, é com ele! Como ele já tinha 18 anos, fiquei observando como ele iria desenrolar a situação. Quando meu filho começou a falar e se expressou muito bem, o tratamento mudou. Bom dia, senhor, eu quero saber o nome do comandante chefe da sua corporação, pois eu não conheço esse artigo. O policial, diante da fala com educação e daquelas palavras foi  ficando pequenininho. Que lindo, é uma família andando de bicicleta domingo de manhã, isso é tão raro. A cena se transformou, parecia um programa humorístico. Eu vi que meu filho tinha crescido e tinha entendido o jogo. É um jogo e as cartas são as palavras. As palavras trazem seus conteúdos e mudam os rumos da cena toda”.

A palavra salva

“A mãe de um amigo meu, uma senhora de 70 anos, de Salvador, estava caminhando no Pelourinho e um rapaz se aproximou dela. Ela olhou e disse: meu filho, me diz que horas são. Ele se emocionou e disse que há dez anos ninguém o chamava de filho, abraçou ela e pediu que repetisse. Ele precisava ser acolhido e ela, provavelmente, salvou a própria vida porque ele disse que ia assaltá-la”.

Encerramento

Após a conferência de Elisa Lucinda, a presidente do TRT-RS, desembargadora Carmen Izabel Centena Gonzalez, e o diretor da Escola Judicial, desembargador Ricardo Martins Costa, agradeceram a participação de todos.

O XV Encontro Institucional reuniu juízes e desembargadores do TRT-RS para debaterem o tema “As Transformações do Mundo do Trabalho”. De terça a sexta-feira, sempre pela manhã, houve uma palestra,  um painel, duas conferências e três grupos de discussão. A palestra, o painel e as conferências também foram abertas a servidores do Tribunal.

O Encontro é organizado pela Escola Judicial do TRT4 e este ano, por conta da pandemia, foi 100% on-line.

Veja abaixo as matérias sobre as outras atividades.

Encontro Institucional: "O papel da Justiça do Trabalho é lutar contra aqueles que querem tornar o trabalho indigno algo normal", diz sociólogo Ricardo Antunes

Uberização do trabalho é debatida em painel do Encontro Institucional

Encontro Institucional: "O aspecto mais problemático do ódio é quando se destitui do outro a sua existência", avalia psicanalista Maria Lucia Homem

   

 

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Fonte: Sâmia de Christo Garcia (Secom/TRT4).
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