Você conhece o Mandado de Injunção? Veja 15 tópicos essenciais
É notório no meio jurídico que os remédios constitucionais são os instrumentos mais importantes na efetivação de direitos fundamentais. Para os amantes do Direito Constitucional então, são verdadeiras armas que estão dispostas ao povo em prol da realização de tais direitos.
Todavia, entre todos os remédios, o Mandado de Injunção ainda sofre uma resistência prática. Aliás, até este ano (2016), era o único destes instrumentos que ainda não tinha uma regulamentação infraconstitucional própria, o que foi sanado pela Lei 13.300/2016.
Embora tenha sofrido esse pequeno descaso ao longo dos anos, o Mandado de Injunção, dentre as ações constitucionais, é a que mais possibilita a efetivação dos direitos fundamentais, principalmente no tocante à nacionalidade, soberania e cidadania, que de tão abrangentes, podem tutelar desde um direito de greve no funcionalismo público, como o direito a uma aposentadoria especial.
Diz a Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes ànacionalidade, à soberania e à cidadania;
1 - ASPECTOS GERAIS
A Carta Maior dispõe que se concederá mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Trata-se, assim como o mandado de segurança coletivo e o habeas data, de remédio constitucional introduzido pelo constituinte de 88.
2 - REQUISITOS
A) Norma constitucional de eficácia limitada, prescrevendo direitos, liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
B) Falta de norma regulamentadora, tornando inviável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas acima mencionados (omissão do Poder Público).
Dessa forma, tal como a ADO — ação direta de inconstitucionalidade por omissão, o mandado de injunção surge para “curar” uma “doença” denominada síndrome de inefetividade das normas constitucionais, vale dizer, normas constitucionais que, de imediato, no momento que aConstituição entra em vigor (ou diante da introdução de novos preceitos por emendas à Constituição, ou na hipótese do art. 5.º, § 3.º), não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de ato normativo integrativo e infraconstitucional.
Até 2016, o M. I. Era o único dos remédios constitucionais que não possuía uma lei infraconstitucional que regulava seu procedimento judicial. Logo, parte do Judiciário aplicava um rito similar ao do Mandado de Segurança, com especificidades (Lei 12.016/2009), além de disposições gerais doCódigo de Processo Civil.
3 - LEI 13.300/2016
A nova lei, por sua vez, no seu art. 2º, difere do inciso LXXI do art. 5º de nossa Carta Magna, na medida em que traz o cabimento para casos deomissão total ou parcial de norma regulamentadora, que afete o exercício dos direitos de nacionalidade, soberania e cidadania.
Art. 2º - Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta total ou parcial de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Entendo a priori, que o legislador resolvendo evitar futuros conflitos jurisprudenciais, admite desde logo mandado de injunção ainda que haja lei ordinária que trate da matéria fundamental (nacionalidade, soberania, cidadania), mas que, no entanto, não trouxe de forma absoluta a proteção desejada pelo usuário do direito.
4 - LEGITIMADOS
O art. 3º da Lei positiva aquilo que já era considerado pela jurisprudência.
São legitimados ativos para o mandado de injunção, como impetrantes, as pessoas naturais ou jurídicas que se afirmem como titulares dos direitos, das liberdades ou prerrogativas constitucionais (art. 2º da Lei c/c Art. 5º, LXXI da CFRB/1988)
São legitimados passivos, como impetrados, o Poder, órgão ou autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora.
5 - PETIÇÃO INICIAL
Conforme o art. 4º da Lei, de forma genérica, deve preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual (art. 319 e s. S do CPC), devendo indicar além do órgão impetrado, a pessoa jurídica que integra ou está vinculado.
6 -RECEBIDA A INICIAL
Será notificado o impetrado, para que preste informações no prazo de 10 dias (art. 5º, I), bem como, já dito, cientificado o órgão do qual faz parte o impetrado para que, querendo, possa ingressar no feito (art. 5º, II).
7 - INDEFERIDA A INICIAL
Caberá recurso de agravo em 5 dias para o órgão colegiado competente. Poderá ser indeferida a inicial quando for manifestamente incabível ou improcedente (art. 6º)
8 - OITIVA DO MP
Conforme o art. 7º, depois do prazo de prestação das informações (10 dias), opinará o Ministério Público, como fiscal da lei, em 10 dias. Fazendo ou não o parecer, os autos irão conclusos para decisão.
9 - DECISÃO
Aqui reside, de fato, a grande novidade da lei. Neste procedimento temos agora 2 (duas) decisões.
1) A primeira decisão possível, conforme o art. 8º é a FIXAÇÃO DE PRAZO RAZOÁVEL PARA O LEGISLATIVO ELABORAR A NORMA REGULAMENTAR (art. 8º, I).
Veja que o dispositivo não trouxe um termo definido de razoabilidade, deixando a critério do Judiciário, verificar caso a caso o tamanho da inércia legislativa.
Essa decisão só poderá ser proferida uma vez. Ela apenas reconhece a inércia legislativa, e fixa o prazo para a edição da norma regulamentadora.
2) Após expirado o prazo fixado pelo Judiciário, aí sim a decisão será concretista, conforme prevê o artigo 8º, II, que traz medidas para o impetrante exercer seus direitos caso não atendida sua demanda pela mora legislativa.
Quanto à fixação de prazo para legislar (1ª decisão), a polêmica é inevitável. Pode-se argumentar sem dúvida de que, a princípio, trata-se de dispositivo inconstitucional, por violação da Separação dos Poderes.
O ideal é aguardarmos a manifestação do STF acerca do tema.
A segunda decisão possível já é aceita pela jurisprudência: tornar concreto o direito pleiteado pela parte (eficácia concretista do mandado de injunção):
MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91. (STF - MI: 721 DF, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 30/08/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ 30-11-2007)
10 - EFEITOS “INTER PARTES” E “ERGA OMNES”
Em regra, o efeito será “inter partes”, aplicando-se somente ao impetrante, mas, dependendo do caso, poderá ser fixado efeito “ultra partes” ou “erga omnes”. Esse já era o entendimento do STF, que agora está positivado no artigo 9º da nova lei.
11 - MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO
Trata-se também de uma positivação do que já era jurisprudência do STF. Admite-se a impetração de mandado de injunção coletivo, da mesma forma como se admite a impetração de mandado de segurança coletivo.
Antes da publicação desta Lei, os legitimados (segundo a jurisprudência) eram os mesmos do mandado de segurança coletivo (partido político com representação no Congresso Nacional, entidade de classe, organização sindical e associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 ano).
Além desses, agora também podem ajuizar mandado de injunção coletivo: o Ministério Público e a Defensoria Pública (art. 12, I e IV da Lei).
12 - E pessoas jurídicas de direito público?
Também são legitimadas, sem maiores problemas. Embora exista decisão não admitindo a legitimação ativa da pessoa jurídica de direito público para a impetração do MI (MI 537/SC, DJ de 11.09.2001), o STF parece ter superado esse entendimento anterior, nos termos do MI 725. No caso concreto, entendeu o STF, nos termos do voto do relator, Min. Gilmar Mendes, tendo por fundamento o “recurso de amparo” do direito iberoamericano, que “não se deve negar aos municípios, peremptoriamente, a titularidade de direitos fundamentais (...) e a eventual possibilidade das ações constitucionais cabíveis para a sua proteção”. Assim, destacando que as pessoas jurídicas de direito público podem ser titulares de direitos fundamentais, “parece bastante razoável a hipótese em que o município, diante de omissão legislativa inconstitucional impeditiva do exercício desse direito, se veja compelido a impetrar mandado de injunção” (cf. Inf. 466/STF — j. 10.05.2007, DJ de 28.05.2007).
13 - COMPETÊNCIA
Prevista nos arts.: 102, I, q, 102, II, a, 105, I, h, 121, § 4.º, V, e 125, § 1.º daConstituição Federal.
14 - EFEITOS DA DECISÃO
Sobre o tema, temos as seguintes posições:
1) posição concretista geral: por meio de normatividade geral, o STF supre a omissão normativa, produzindo a decisão efeitos erga omnes até que sobrevenha norma integrativa do órgão omisso;
2) posição concretista individual direta: a decisão, implementando o direito, valerá somente para o autor do mandado de injunção, diretamente;
3) posição concretista individual intermediária: julgando procedente o mandado de injunção, o Judiciário fixa ao órgão omisso prazo para elaborar a norma regulamentadora. Findo o prazo e permanecendo a inércia, o autor passa a ter assegurado o seu direito;
4) posição não concretista: a decisão apenas decreta a mora do poder omisso, reconhecendo-se formalmente a sua inércia.
A posição não concretista, por muito tempo, foi a dominante no STF (videMI 107-DF). Esse posicionamento sofreu críticas, na medida em que se tornaria inviável o exercício de direitos fundamentais, na persistência da inércia normativa.
Avançando, o STF adotou em alguns casos a posição concretista individual intermediária, que corresponde à do Ministro Néri da Silveira, qual seja, fixar um prazo e comunicar ao órgão omisso para que elabore a norma naquele período. Decorrido in albis o prazo fixado, o autor passaria a ter o direito pleiteado (efeitos inter partes). (Vide MI 232-1-RJ, RDA 188/155.)
O Ministro Marco Aurélio, em seu voto proferido no MI 721/DF, o qual pretendia fosse suprida a inércia em relação ao art. 40, § 4.º, a fim de viabilizar o exercício do direito à aposentadoria especial, “... Salientando o caráter mandamental e não simplesmente declaratório do mandado de injunção, asseverou que cabe ao Judiciário, por força do disposto no art. 5.º, LXXI e seu § 1.º, da CF, não apenas emitir certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, mas viabilizar, no caso concreto, o exercício desse direito, afastando as consequências da inércia do legislador. Após, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau” (MI 721/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.09.2006, Inf. 445/STF).
Em 30.08.2007, por unanimidade, o Pleno do STF acompanhou o voto do Ministro relator, Marco Aurélio, para deferir ao impetrante o direito à aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei n. 8.213/91, que dispõe sobre planos de benefícios da Previdência Social.
Destaca-se ainda o julgamento dos MIs 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep), buscando assegurar o direito de greve dos servidores públicos, para seus filiados, tendo em vista a inexistência de lei regulamentando o art. 37, VII, da CF/88.
O STF, em importante decisão, por unanimidade, declarou a omissão legislativa e, por maioria, determinou a aplicação, no que couber, da lei de greve vigente no setor privado, Lei n.7.783/89. A aplicação da lei não se restringiu aos impetrantes, mas a todo o funcionalismo público. Assim, pode-se afirmar que o STF consagrou, em referido julgamento e de modo excepcional, a teoria concretista geral.
15 - CONCLUSÃO: ATIVISMO JUDICIAL
Portanto, visualiza-se que o Mandado de Injunção pode sim, ser considerado o mais importante dos remédios constitucionais:
- HC tutela "apenas" a liberdade de locomoção.
- HD tutela "apenas" o direito à informação do interessado.
- AP tutela "apenas" alguns interesses públicos.
- MS tutela "apenas" alguns direitos subjetivos violados pelo Poder Público.
- MI tutela a nacionalidade, à soberania e à cidadania, raízes de um ordenamento jurídico essencial a um Estado Democrático de Direito.
Em razão de uma inércia não razoável do órgão que deveria normatizar a matéria (pois a Constituição Federal assim previu), o Judiciário, em uma postura ativista, passa e deve ter elementos para suprir a omissão, como se verificou nos vários exemplos, fazendo com que o direito fundamental possa ser realizado.
Não se pode admitir que temas tão importantes como o direito de greve dos servidores públicos, por exemplo, possam ficar sem regulamentação por quase 30 anos. O Judiciário, ao agir, realiza direitos fundamentais, e, nesse sentido, as técnicas de controle das omissões passam a ter efetividade.
Essa é a nova perspectiva. Não se incentiva um Judiciário a funcionar como “legislador” positivo no caso da existência de ato normativo a suprir a omissão, mas, havendo a sua falta e sendo a inércia desarrazoada, negligente e desidiosa, dentro dos limites das técnicas de controle das omissões, busca-se a efetivação dos direitos fundamentais, seja pelo mandado de injunção (MI), seja pela ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO).
Referências
Lenza, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19ª Ed. Rev., atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015.
Lucas Domingues. Comentários à Lei do Mandado de Injunção.Abre em nova aba
Masson, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 4ª Ed. Editora Juspodivm, 2016.
Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 32ª Ed. Rev. E atual. Até a EC nº 91, de 18 de fevereiro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2016.