Juíza rejeita ação e aumenta valor de causa para multar autor em R$ 158,5 mil
O Código de Processo Civil de 2015 permite que o juiz mude o valor da causa, de ofício, quando concluir que aquele fixado pelo autor não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido. Assim entendeu a juíza Samantha Steil Santos e Mello, da 3ª Vara do Trabalho de Diadema (SP), ao aumentar o valor de causa sugerido por um médico (de R$ 100 mil para R$ 5,2 milhões) e determinar que ele pague multa de R$ 158,5 mil por litigância de má-fé.
Ela julgou improcedente alegação de vínculo empregatício entre o profissional e um hospital da cidade. Segundo a sentença, revelada pelo jornal Valor Econômico, o autor mentiu na petição inicial, pois ficou comprovado que ele não era subordinado a ninguém, poderia ser substituído por colegas e não teria como trabalhar 10 horas diárias em seis dias da semana nem somar 184 horas extras mensais, como afirmou — o médico é professor e sócio de uma série de empresas em atividade.
“O autor apresentou versão inicial absolutamente incompatível com a realidade fática havida, o que levou do juízo quase quatro horas de instrução. Não bastasse, seu próprio depoimento contrariou a versão inicial, repise-se, fantasiosa se comparada aos fatos”, diz a decisão.
De acordo com a juíza, “o Judiciário não pode compactuar com tal conduta, sob pena de banalização do excesso, da inverdade”. Com base no CPC, ela aumentou o valor da causa em mais de 5.000%, mesmo sem pedido das rés, e fixou multa de 3% pela má-fé.
Breque trabalhista
A sentença gerou controvérsia entre especialistas na área. A professora e desembargadora Sônia Mascaro, que atua no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) e leciona no Instituto de Direito Público (IDP) em São Paulo, afirmou ao Valor Econômico que mentiras devem ser punidas, mas entende que o valor só deve ser definido no fim do processo.
Um dos problemas, conforme ela declarou ao jornal, é obrigar que o autor deposite em juízo 2% do valor da causa (R$ 100 mil) para recorrer ao TRT-2. Esse tipo de exigência, segundo a desembargadora, pode prejudicar o acesso de pessoas ao Judiciário.
O advogado Carlos Eduardo Dantas, do Peixoto & Cury Advogados, diz que esse tipo de decisão ainda é raro, mas acompanha uma tendência da Justiça do Trabalho de “moralizar” pedidos e inclusive exigir comprovação para conceder Justiça gratuita às partes.
Arthur Mendes Lobo, sócio do Wambier Advogados, entende que essa tendência faz parte de uma “necessidade social” de inibir mentiras, deixando claro que o Judiciário não pode abrir brechas para “aventureiros”.
Sem conhecer o caso concreto, Lobo afirma que a multa não deveria ser fixada de forma unilateral, mesmo que de ofício. Para o advogado, o modelo ideal seria abrir espaço ao contraditório, como determina o próprio CPC de 2015.
Enquanto o código de 1973 permitia apenas multa de até 1% a quem litigasse de má-fé, o atual colocou esse percentual como mínimo e ampliou a margem para o máximo de 10%, além de ter derrubado a exigência de pedido das partes e também de incidente específico para análise do tema — até então, o debate era tratado em autos apartados.
1000118-71.2017.5.02.0263
Fonte: www.conjur.com.br, 09/06/2017