Plataformização e liberdade sindical em xeque: painel discute impactos das novas formas de trabalho na América Latina
O segundo painel da manhã desta sexta-feira (11/4), no seminário “Construindo Pontes: Trabalho e Justiça no Mercosul”, realizado no Plenário Milton Varela Dutra, no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS), deu continuidade aos debates iniciados na quinta-feira (10/4) com um tema urgente: os impactos da plataformização sobre os direitos coletivos dos trabalhadores
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Mediado pelo juiz Gustavo Fontoura Vieira, da 1ª Vara do Trabalho de Santa Maria, o painel intitulado “Normas Internacionais, Liberdade Sindical e Plataformização: Impactos na América Latina” trouxe contribuições para a análise do futuro do trabalho na era digital.
O papel das normas internacionais na proteção laboral
O professor doutor Maurício César Arese, da Argentina, participou por videoconferência e falou sobre “Normas Internacionais do Trabalho e América Latina”. Ele destacou a necessidade de que os países da região adotem, na prática, as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), especialmente diante do avanço das desigualdades.
Arese destacou o papel crescente da Corte Interamericana de Direitos Humanos na consolidação de direitos laborais como parte dos direitos humanos.
Panorama histórico e viradas jurisprudenciais
O professor traçou um panorama histórico das normas interamericanas, mencionando a Carta Americana de Garantias Sociais de 1947 e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948 como fundações iniciais.
“O instrumento essencial da esfera americana é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969”, afirmou, destacando o artigo 26, que estabelece a busca progressiva pela efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais.
A partir do caso Baena (2001), o professor apontou uma virada jurisprudencial: “Para resolver a reintegração de 270 trabalhadores demitidos no Panamá, foram utilizadas normas de direitos civis e políticos, especialmente a proteção judicial e a liberdade de associação”. Desde então, segundo Arese, a Corte vem ampliando sua atuação em temas laborais.
Direitos trabalhistas como direitos humanos
Casos emblemáticos como Lagos del Campo (2017), Peralta vs. Equador (2024) e Palacios Urrutia (2021) demonstram, segundo ele, a “judicialização direta de direitos trabalhistas” como estabilidade no emprego, remuneração justa, liberdade sindical e condições dignas de trabalho. Arese destacou também o reconhecimento de novos direitos, como o ambiente de trabalho seguro e saudável, incorporado pela OIT em 2022.
Nessas decisões citadas pelo painelista, a Corte reconheceu direitos como estabilidade no emprego, proteção da remuneração, liberdade de associação e reintegração de trabalhadores demitidos injustamente.
O professor enfatizou o uso reiterado do termo “direitos humanos laborais”, inclusive a partir do parecer consultivo 18 de 2003 da Corte Interamericana, que reconheceu que trabalhadores, inclusive migrantes sem documentos, têm direitos trabalhistas inalienáveis.
Novos desafios: discriminação, sindicalização e plataformas
A exposição também trouxe à tona temas como discriminação no ambiente de trabalho, com casos recentes envolvendo orientação sexual e racismo. Citou ainda a sindicalização das forças de segurança, os limites da negociação coletiva e os impactos da reforma trabalhista brasileira de 2017.
Sobre o trabalho em plataformas digitais, Arese reforçou a necessidade de reconhecer vínculos de subordinação quando presentes, mencionando a Convenção 198 da OIT.
“Trata-se de uma transformação na compreensão do Direito do Trabalho como parte do núcleo duro dos direitos humanos”, destacou. Ele ainda chamou atenção para o reconhecimento da liberdade de expressão e ideologia no ambiente laboral, e a inclusão da proteção dos idosos e pessoas com deficiência no escopo trabalhista da Corte.
Ao final, criticou a morosidade judicial em casos laborais na América Latina, citando ao menos quatro condenações recentes da Argentina.
“A Corte Interamericana está consolidando uma jurisprudência robusta e sistemática em defesa dos direitos humanos no trabalho”, concluiu.
Plataformização e direitos coletivos em foco
Em seguida, o juiz Jorge Rafael Barboza Franco, do Paraguai, abordou o tema “Liberdade Sindical e as Novas Formas de Trabalho: Plataformização e os Direitos Coletivos”.
O magistrado fez um contundente chamado à defesa dos direitos coletivos nas novas formas de trabalho, especialmente no contexto das plataformas digitais.
“Temos que proteger o trabalho em plataformas e dar a ele o mesmo respeito que ao trabalho tradicional”, afirmou.
O desafio de adaptar leis a um mundo do trabalho em mutação
Para o juiz, os marcos legais ainda estão presos ao modelo fabril do século passado, enquanto o mundo do trabalho avança em ritmo acelerado.
“O fenômeno trabalhista avança a 10 mil e o legislativo a 2. É um desafio que recai sobre o Judiciário”, pontuou, destacando que muitas leis continuam pensadas para o tempo em que se trabalhava presencialmente, em fábricas, com horário fixo e controle direto.
Barboza Franco criticou a tentativa das plataformas de se isentar de responsabilidades ao rotular os trabalhadores como autônomos. Segundo ele, há uma relação de subordinação disfarçada por uma suposta liberdade.
“Quem define o valor da tarifa? Quem controla a forma de pagamento? O trabalhador sequer administra seu próprio dinheiro”, questionou. Para o juiz, isso revela “personagens da subordinação do século XXI”.
Liberdade sindical sem fronteiras
Outro ponto central da fala foi a liberdade sindical. O juiz destacou que ela deve ser garantida a todos os trabalhadores, inclusive aos que atuam por meio de aplicativos.
“Não podemos negar a possibilidade de sindicalização porque não estão no mesmo espaço físico. O trabalho é transnacional, as plataformas não respeitam fronteiras”, argumentou.
Ele também defendeu que decisões judiciais devem se basear em normas internacionais de direitos humanos e trabalhistas, mesmo que não estejam plenamente incorporadas às legislações nacionais. Citou a OIT como fonte legítima de inspiração, especialmente frente à omissão de poderes legislativos. “Não se trata de aplicar a lei de forma cega, mas de fazer justiça. E justiça também é respeitar quem decide se organizar para defender seus direitos”, ponderou.
Confira a programação completa do Seminário no site oficial do evento.Abre em nova aba