TRF permite cômputo do tempo de serviço rural exercido por menor de 14 anos
A 3 ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu, por unanimidade, que é possível o cômputo do tempo de serviço rural desempenhado por menores de 14 anos em regime de economia familiar, para efeitos de implantação do benefício previdenciário. A decisão foi publicada no dia 16 no Diário Eletrônico da JF da 4ª Região.
Ao julgar ação rescisória ajuizada contra decisão da 5ª Turma do TRF da 4ª Região, que deixou de computar o período referente ao trabalho agrícola exercido pelo autor da ação entre os 12 e os 14 anos, os desembargadores que integram a 3ª Seção – reunião das duas turmas previdenciárias da corte – entenderam que o período deveria ser considerado.
Para o desembargador federal Celso Kipper, relator do recurso, o TRF da 4ª Região deve alterar o entendimento sobre o tema, uma vez que a posição do Supremo Tribunal Federal “é clara no sentido de ser possível o cômputo, como tempo de serviço, da atividade rurícola do menor de 14 anos”.
Conforme Kipper, o STF entende que a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não possua a idade mínima para tal não pode ser aplicada em seu desfavor. Em consequência, explica, não podem ser negados aos menores que se encontram em tal situação os direitos previdenciários decorrentes do ato-fato-trabalho.
Citando precedentes jurisprudenciais do STJ, o relator destacou que "a vida e o direito, nesse caso, seriam muito cruéis para o menor, criança ainda, pois além de ter sido obrigado ao trabalho em tenra idade - sem valer-se da proteção da família e do Estado - ainda não teria considerado tal trabalho para fins previdenciários, resultando, na prática, uma dupla punição".
Por isso, porsseguiu, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo para fins previdenciários o tempo de serviço rural desempenhado antes dos quatorze anos de idade.
Outro aspecto assinalado pelo relator foi o posicionamento do STF em casos similares, decidindo que "os benefícios previdenciários a que o trabalhador tem direito não decorrem da higidez da atividade laboral, mas, e sobretudo, da prática do ato-fato-trabalho".
Por fim, o relator concluiu que a posição do STF "é clara no sentido de ser possível o cômputo, como tempo de serviço, da atividade rurícola do menor de 14 anos; que o mesmo Supremo Tribunal, por seu Plenário, decidiu que "a manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional" e que "cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal"; e que a decisão rescindenda, ao não reconhecer o tempo de trabalho rural de menor de 14 anos, afastou-se da atual posição do STF, deve a presente ação ser julgada procedente."
Leia, abaixo, a íntegra da decisão:
"AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2002.04.01.050791-4/RS
RELATOR : Des. Federal CELSO KIPPER
AUTOR : ALVINO FELICIO DA SILVA
ADVOGADO : Jose Ricardo Margutti e outros
REU : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO : Procuradoria-Regional do INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, CPC. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES AGRÍCOLAS ANTES DOS 14 (CATORZE) ANOS DE IDADE. MATÉRIA DE NATUREZA CONSTITUCIONAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343 DO STF.
1. Entende o STF que a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não possua a idade mínima para tal [podendo ser 12 (art. 158, X, da CF/1967 e art. 165, X, na redação dada pela EC n.º 1/1969), 14 (art. 7.º, XXXIII, da CF/1988, em sua redação original) ou 16 anos (art. 7.º, XXXIII, da CF/1988, com a redação dada pela EC n.º 20/1998), conforme a época] não pode ser aplicada em seu desfavor; em consequência, não podem ser negados aos menores que se encontram em tal situação os direitos previdenciários decorrentes do ato-fato-trabalho; que a decisão que não reconhece tais direitos viola o art. 165, XVI, da Constituição Federal de 1967 (com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 01/1969), que encontra correspondência ou similitude, precisamente no tocante à questão em discussão neste processo, nos artigos 7.º, XXIV, e 201, § 7.º, da Constituição Federal de 1988, que, respectivamente, inclui a aposentadoria como um dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, e assegura a aposentadoria no regime geral de previdência social, observadas as condições que elenca (tempo de contribuição e idade). Precedentes.
2. O reconhecimento, como tempo de serviço, da atividade rural de segurados antes dos 14 (quatorze) anos de idade envolve questão de natureza constitucional.
3. Tratando-se de matéria de natureza constitucional, não incide a limitação da Súmula 343 do STF [Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais], de forma que "Cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal." (RE-ED 328.812/AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, Dje de 30-04-2008)
4. O acórdão que entende não ser possível o cômputo do tempo de serviço rural em regime de economia familiar no período anterior aos 14 (quatorze) anos de idade, pode ser rescindido por violação aos arts. 7.º, XXIV, e 201, § 7.º, da CF/1988.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de janeiro de 2010.
Des. Federal CELSO KIPPER
Relator