O Direito Penal Mastigado e a construção do estudante medíocre
Em primeiro lugar, é bom esclarecer: a crítica que será feita aqui é crítica à obra e não aos autores da obra. É que no Brasil, diferente da Alemanha e Estados Unidos, temos o costume de não criticar obras, jurisprudências, porque isto parece deselegante e ofensivo. Criticar é uma excelente contribuição para a construção de uma sociedade mais educada.
Sigamos ao que interessa!
Quem vai às livrarias sofre um pouco na busca por bons livros. No campo criminal a dor em mim é maior, pois o que se vê são livros de Direito Penal Comentado 2000º edição, Sinopse de Direito Penal 9000º edição etc.
Doutrina hoje no Brasil funciona assim: alguém escreve um livro citando um monte de gente. Aí outro, que já foi citado em algum livro, escreve um livro citando um outro monte de gente. No final o resultado é: ninguém apresenta nada de novo, ninguém apresenta suas próprias ideias. É por isto que eu digo: comprar vários livros de doutrina, no Brasil, é jogar dinheiro fora porque todo livro é igual, só muda a capa e o nome do autor.
Mas a coisa sempre pode ficar pior: Eis que encontro o livro "Direito Penal MastigadoAbre em nova aba". E aí vou ler a sinopse:
Direito Penal Mastigado é uma obra inédita que favorece estudo do Direito Penal em seus aspectos gerais,expondo a matéria em tópicos tipicamente relevantes, mas sem qualquer complexidade.Calcada na melhor doutrina, permitindo fácil acesso as ciências criminais, recapitulando todos os institutos de maneira didática e simples. Direito Penal Mastigado tem como objetivo principal estimular o estudo do Direito Penal.
Bem. Vamos mastigar a sinopse.
A obra não é inédita! O mercado está, infelizmente, repleto de livros que "favorecem o estudo do direito penal em seus aspectos gerais, expondo a matéria em tópicos tipicamente relevantes, mas sem qualquer complexidade". O problema é justamente este: o mercado está cheio de livros assim.
A autora do livro quer "expor a matéria em tópicos tipicamente relevantes". O problema é: os tópicos que ela considera relevantes podem não ser relevantes para quem vai ler, por exemplo. Eu até que os achei relevantes, mas a forma como foram apresentados considero dispensável...
E ela argumenta, também, que o livro é "calcado na melhor doutrina". Isto é: o método copia e cola de pensamentos. Em livros desta natureza é muito comum o uso de "segundo Fulano", "no pensamento de Sicrano", "Beltrano pensa que". É aquilo: plágio é quando você pública uma ideia sem mostrar a fonte, mas se você um copia um monte de pensamento e cita a fonte, isto vira um livro.
Livros "calcados na melhor doutrina" são compilações de doutrinas, mas não têm nada de especial. E ainda existe um problema maior nisto tudo: quem disse que a melhor doutrina é a melhor doutrina? O teólogo Paul Tillich dizia que "a fé que domina é apenas o palpite que prevaleceu por inúmeros fatores - que nem sempre são bons fatores."
E por fim, a proposta de que livros mastigados estimulam o Estudo do Direito Penal é falácia. Não estimula, não! Não estimula porque uma coisa é ler livros mastigados, desenhados, pintados, cheios de tópicos e mapas mentais etc., outra coisa totalmente diversa é o contato com livros densos, com doutrina profunda e complexa. Ora, quando a autora diz que vai expor a matéria "em tópicos [...] mas sem qualquer complexidade" eu me assusto, pois se estamos formando criminalistas sem contato com a complexidade, estamos formando criminalistas rasos.
Estes livros resumidos, compilados, mastigados são um desfavor à formação intelectual de qualquer estudante, pois trabalham apenas com a descrição - o que não é um exercício mental dos mais complexos e eruditos.
Gente, se o Direito Penal lida com a proteção dos bens jurídicos mais relevantes, como o estudo destes bens e desta proteção pode se dar de forma rasa e sem complexidade?
Estes livros vendem como água, mas em nada contribuem para a construção de um grande debate sobre o Direito Penal. Aliás, estes livros não são feitos para tornar nenhum aluno mais inteligente, mas são feitos apenas para vender.
Sigam o conselho do Schopenhauer:
"A maioria dos livros é escrita somente para vender e, por isso, é importante assim como escolher o que ler, escolher o que não ler, pois a vida é curta e tempo e energia são limitados."