'A mediação pretende humanizar o conflito e restabelecer a comunicação entre os litigantes'', afirma ministra Maria Calsing na Aula Magna da Escola Judicial
A ministra Maria de Assis Calsing, do Tribunal Superior do Trabalho, proferiu na última sexta-feira (11) a aula inaugural da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região (TRT-RS) em 2016. A aula foi dedicada aos institutos da mediação e da conciliação no novo Código de Processo Civil, o qual entra em vigor nesta sexta-feira (18/03). A exposição foi mediada pelo diretor da EJ, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, e a mesa de abertura contou com a participação da presidente do TRT-RS, desembargadora Beatriz Renck. A palestra ocorreu no auditório Ruy Cirne Lima, em Porto Alegre, com transmissão on-line para os Foros Trabalhistas de Caxias do Sul, Santa Maria, Santa Rosa, Pelotas, Bagé e Sapiranga.
A aula magna iniciou com um breve histórico do instituto da mediação na legislação brasileira. Conforme a palestrante, a busca por uma solução pacífica dos conflitos pode ser vista já no preâmbulo da Constituição Federal. Atualmente, o instituto encontra previsão na Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, de 2010, na Lei 13.140/15 (conhecida como “Lei da Mediação”) e no novo CPC. “A mediação foi recentemente positivada e está sujeita a profundas transformações em suas interpretações, em face do amadurecimento dos debates jurídicos e das experiências práticas dos magistrados”, introduziu a palestrante.
A Mediação e a Conciliação
A seguir, a ministra explicou as diferenças conceituais entre mediação e conciliação. Ambos são métodos “autocompositivos” para a solução dos conflitos. Ou seja, a solução não é imposta pelo Judiciário, como ocorre com a sentença, mas buscada e aceita com autonomia pelas partes. “A utilização desses instrumentos implica mudanças profundas, visando ao resgate da habilidade dos cidadãos em dialogar e solucionar conflitos de maneira pacífica”, ressaltou.
Para a ministra, as diferenças entre a mediação e a conciliação estão na forma de participação do terceiro interveniente, que será o mediador ou o conciliador, conforme o caso. O mediador não pode sugerir ou orientar as soluções – elas devem partir exclusivamente das partes. Portanto, na mediação, o terceiro interveniente aproxima as partes e estimula o diálogo. Já o conciliador tem permissão para interferir ou aconselhar soluções. A escolha de um ou outro método dependerá do tipo de conflito.
A mediação é recomendada nos casos em que é necessária a reconstrução de laços que foram rompidos. São situações em que vínculos entre as partes, anteriores ao conflito, precisam ser resgatados, porque a continuidade das relações após a solução do conflito é imprescindível. É o caso, segundo a doutrina, das relações familiares, entre vizinhos, ou mesmo trabalhistas. “Essa particularidade requer do mediador uma atuação mais complexa do que a simples facilitação do acordo. Cabe ao mediador demonstrar que, na maioria dos casos, os interesses reais das pessoas são congruentes e conexos ente si, e isso só não foi verificado antes porque ocorreram falhas na comunicação”, esclareceu.
A conciliação, por sua vez, tem por objetivo principal a pacificação do conflito por meio da celebração de um acordo. Nesse caso, o conflito tem um caráter mais objetivo, e a necessidade de manutenção das relações é menos relevante. É o caso, por exemplo, das relações de consumo, ou de uma discussão que decorra de um acidente de trânsito. Na conciliação, portanto, o acordo ocupa uma posição de destaque. E isso justifica a possibilidade de intervenção do conciliador para buscar a solução, o que não se verifica na mediação. “A mediação pretende humanizar o conflito, restabelecendo a comunicação rompida entre os litigantes, tornando-a viável e, se possível, harmoniosa. O acordo é efeito secundário da mediação, e não o objetivo principal perseguido, como ocorre na conciliação. Por isso o processo de mediação que não resulte necessariamente em um acordo não pode ser visto como improdutivo, principalmente se permitiu o retorno do diálogo entre os envolvidos”, ponderou a ministra.
A mediação no novo CPC
O novo CPC traz expressamente o estímulo pela adoção de medidas alternativas para a solução de conflitos, entre elas a mediação e a conciliação. Ele mantém a diferenciação entre os dois institutos observada pela doutrina: o conciliador atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções; e o mediador atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior. “Porém, nenhum dos dois profissionais poderá impôr acordos ou decisões: eles somente poderão ser construídos ou aceitos pelas partes envolvidas no conflito”, pontuou a ministra.
O novo código prevê, ainda, a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, por meio de regulamentação interna dos Tribunais, e fixa princípios norteadores da mediação e da conciliação. Além disso, traz a possibilidade da criação de quadro próprio de mediadores e conciliadores, a ser preenchido por meio de concurso de provas e títulos. A necessidade de capacitação dos medidores e conciliadores também é ressaltada: “Por mais que uma pessoa tenha habilidade e talento como negociador ou gestor de conflitos, a mediação exige estudo especifico, técnicas, experiência e constante aprendizado para aprimoramento do conhecimento”, explicou a palestrante.
A mediação e a conciliação na Justiça do Trabalho
Na parte final da aula magna, a ministra Maria Calsing expôs sua opinião sobre a aplicabilidade dos novos dispositivos do CPC no Direito e no Processo do Trabalho. Contudo, a palestrante ressalvou que este tema ainda deverá ser analisado por uma comissão de ministros e apreciado pelo Pleno do TST.
A ministra afirmou que a mediação é um método recentemente positivado no Brasil e que, portanto, deve ser examinado de forma ponderada. No seu ponto de vista, acredita que a aplicação da mediação na área trabalhista é possível em diversos setores e questões. No âmbito do direito coletivo do trabalho, já existe inclusive a previsão de que, frustrada a negociação direta na data-base anual, as partes poderão escolher de comum acordo um mediador para a solução do conflito. Já no que se refere ao direito individual de trabalho, a ministra aponta que os posicionamentos são divergentes. Isso porque existem princípios específicos que regem a relação entre empregados e empregadores. “São exemplos o 'princípio da indisponibilidade dos direitos', na medida em que as normas trabalhistas são de ordem pública, e o da 'proteção ao trabalhador', que é considerado hipossuficiente”, pontuou. A ministra ressaltou a necessidade de se adotar uma concepção do que é e do que não é direito trabalhista indisponível. E opinou que, respeitados os direitos mínimos garantidos por lei ao trabalhador, e salvaguardados os direitos que visem à proteção da segurança e da saúde do empregado, torna-se possível, e até preferível, a adoção de métodos autocompositivos para a solução dos conflitos.
A mediação seria importante, conforme a ministra, em casos específicos, quando a manutenção de um bom convívio entre empregado e empregador é fundamental para efetivação de uma decisão. “O caso emblemático é o pedido de reintegração ao emprego, que muitas vezes é deferido mas não permite a adoção na prática, tendo em vista o desgaste sofrido pelas partes no decorrer do processo”, exemplificou. Outra hipótese levantada pela ministra para o uso da mediação foi o pedido de indenização por danos morais, quando o simples ressarcimento pecuniário não é suficiente para amenizar o abalo sofrido. “O desafio está em delimitar o campo de atuação do método autocompositivo, já que o contrato laboral envolve diversos direitos indisponíveis de caráter alimentar”, acrescentou. A ministra ressaltou o fato de que há uma disparidade entre as figuras envolvidas numa relação trabalhista, o empregado e o empregador. Portanto, é necessária uma capacitação adequada ao mediador, para que seja apto a guiar uma sessão de maneira que ambas as partes se sintam o mais confortáveis possível, adotando técnicas que facilitem o pleno diálogo e afastem possíveis intimidações.
Quanto à conciliação, a ministra destacou que essa prática é vista como uma grande vocação da Justiça do Trabalho, desde sua origem. Entre exemplos de sucesso, citou o caso do Polo Naval de Rio Grande, em 2013, quando se anunciou a despedida em massa de cerca de 7,5 mil trabalhadores, e a questão foi trazida ao Juízo Auxiliar de Conciliação do TRT-RS. “Naquele caso, podemos observar o uso com sucesso dos dois institutos: a conciliação foi aplicada para os trabalhadores que precisavam voltar para suas casas, em outros Estados, e tiveram assegurados o pagamento de suas despesas. E a mediação foi utilizada para os dois mil trabalhadores que foram reinseridos no mercado para a construção de novas plataformas, garantido uma continuidade nas relações”, analisou. A ministra citou ainda os núcleos de conciliação criados nos TRTs da 3ª e da 10ª Região, que vêm apresentado bons resultados, além do Núcleo Permanente de Conciliação do próprio TST. “Não podemos perder a oportunidade de incrementar essas iniciativas que já vem sendo tomadas no âmbito da Justiça do Trabalho, aproveitando a ênfase trazida pelo novo CPC, e adotar técnicas mais modernas e políticas de incentivo”, afirmou. A ministra encerrou sua palestra afirmando que o Judiciário está assumindo um verdadeiro comprometimento com os métodos alternativos de resolução de conflitos. “É um grande desafio. As Escolas de Magistrados, promovendo eventos científicos e de troca de experiências, estimulando o debate e o aperfeiçoamento dos mecanismos já existentes, podem contribuir decisivamente para que a Justiça do Trabalho, fiel às suas raízes conciliatórias, prossiga altaneira na sua vocação de busca da paz social”, concluiu.
Além da presidente do TRT-RS, desembargadora Beatriz Renck, e do diretor da Escola Judicial, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, a aula magna da Escola Judicial do TRT-RS em 2016 contou com a presença do vice-presidente do TRT-RS, desembargador João Pedro Silvestrin, da corregedora regional, desembargadora Maria da Graça Ribeiro Centeno, do vice-corregedor, desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, da representante do MPT-RS, procuradora do trabalho Márcia Backer Medeiros, da representante da OAB-RS, advogada Maria Cristina Carrion Vidal, do representante da Amatra IV, juiz Tiago Mallmann Sulzbach, da diretora do Foro Trabalhista de Porto Alegre, Eny Ondina Costa da Silva, e de magistrados e servidores do TRT-RS.