Racismo também foi abordado em Ciclo de Debates sobre discriminação nas relações de trabalho
Na segunda parte da 5ª Edição do Ciclo de Debates sobre Discriminação no Trabalho, promovida pela Escola Judicial do TRT-RS na última sexta-feira (2/12), o tema abordado foi a discriminação por motivos raciais. Para falar sobre o assunto, estiveram presentes a professora Graziela Oliveira, presidente do Conselho Municipal de Igualdade Étnico Racial de Esteio, e a também professora Fernanda Oliveira da Silva, do Centro de História da Uniriter e coordenadora do grupo de trabalho Emancipações e Pós-Abolição, da Associação Nacional de História - Seção Rio Grande do Sul.
Leia também matéria sobre discriminação por motivos religiosos e políticos, temas abordados na primeira parte dessa edição do Ciclo de Debates.
A professora Graziela Oliveira falou sobre sua trajetória pessoal como servidora do Município de Esteio. Ela fez concurso e foi nomeada para uma escola da cidade, mas sofreu diversos preconceitos por ser negra. A diretora da escola não gostava dela, não permitia que limpassem sua sala, não deixava que ela interagisse com os pais dos alunos, entre outros abusos de autoridade. "Em 17 anos de profissão, foi a primeira vez em que fiquei doente", recordou. "No primeiro ano eu reagi forte, batia boca, me revoltava. No segundo ano, resolvi me calar. Inclusive pedi para sair da escola", contou.
Na segunda escola de Esteio em que trabalhou, a recepção por parte dos profissionais foi melhor, mas enfrentou problemas entre os alunos. Um deles não se aproximava dela e deixou de ir às aulas também por ela ser negra. Em outro episódio, uma colega de trabalho a chamou de macaca em um grupo de whatsapp. "Tem algo errado com essa cidade", pensou Graziela. E decidiu iniciar projetos de conscientização sobre discriminações raciais nas escolas do Município. A iniciativa fez com que fosse convidada a coordenar o trabalho a partir da Secretaria Municipal de Educação. "Uma pessoa negra não pode ser apenas boa. Tem que ser excelente, todos os dias. Todos os dias precisa provar. É uma carga perversa", avaliou. "Por que precisamos carregar essa bagagem pesada nas costas?".
Alguns elementos que respondem à indagação de Graziela foram trazidos pela professora Fernanda Oliveira da Silva em sua palestra. Segundo a estudiosa, o racismo é um processo estrutural, em que um grupo se beneficia em detrimento de outro. No caso do Brasil, os brancos se beneficiam. "O negro nunca foi um problema em si. Foi um problema criado pelos brancos", explicou.
O racismo brasileiro serviu como justificativa para a escravidão, avaliou Fernanda. A ciência, durante o século XIX, teve papel fundamental na legitimação da ideia de que havia hierarquia entre as raças, e essa mentalidade foi ampliada após a abolição da escravatura. "O que faz com que isso permaneça até hoje se não existem mais legislações explícitas que discriminam?", questionou a professora. "A mentalidade, que é a estrutura mais difícil de ser mudada em uma sociedade", respondeu. "A raça se faz no cotidiano".
Racialização, segundo Fernanda, é ideologia, já que faz com que existam lugares determinados para diferentes grupos da sociedade. No século XIX, sob a justificativa científica da hierarquia de raças, diversas leis eram explicitamente excludentes, como a Lei da Instrução Primária no Rio Grande do Sul, de 1837, que proibia os escravos e mesmo negros "libertos" de frequentar as escolas. Os negros também foram proibidos de serem donos de terras, segundo a Lei de Terras de 1850, embora esse privilégio estivesse assegurado aos imigrantes europeus que chegavam no Brasil. "O que justifica essa diferenciação? As teorias de eugenia da época", explicou a professora.
Mesmo após a abolição, as políticas públicas sempre foram excludentes, na avaliação de Fernanda. O que ocorreu, segundo ela, foi a dissimulação no cotidiano, já que, embora não houvesse mais um regramento excludente, continuaram existindo as teorias "científicas" e a dissimulação disseminada no cotidiano social. "A própria Justiça, por exemplo, criou a ideia do negro suspeito. A Lei da Vadiagem é um exemplo disso". "A teoria do branqueamento da sociedade brasileira trazia o prognóstico de que a população negra desapareceria em cem anos no Brasil", exemplificou.
A historiadora também fez referência ao chamado "letramento racial", que seria uma forma de responder tanto individualmente como coletivamente ao racismo. Os princípios dessa "apropriação de ideias", defendidos pela psicóloga e doutora no assunto, Lia Vainer Schucman, seriam os seguintes: 1) O reconhecimento de que a condição de branco confere privilégios; 2) Racismo é um problema atual, não apenas um legado histórico; 3) As identidades raciais são aprendidas e resultam de práticas sociais reiteradas; 4) É preciso falar de raça abertamente, sem subterfúgios; e 5) Ter capacidade de interpretar códigos racializados e perceber quando há racismo, sem alegar que foi apenas um "mal entendido",.