Encontro de Servidores com Deficiência: psicólogo com doença degenerativa que criou teclado virtual comandado pelo cérebro conta sua história de superação
O psicólogo Cláudio Luciano Dusik falou sobre “superação e inspiração”, na tarde dessa quinta-feira (24/10), no 2º Encontro dos Servidores com Deficiência do TRT4. Aos dois anos de idade, Cláudio foi diagnosticado com atrofia muscular espinhal (AME), uma rara doença degenerativa. Atualmente, ele atua na Secretaria Municipal de Educação de Esteio e é coordenador do polo da Universidade Aberta do Brasil (UAB) no município.
Na abertura da palestra, Cláudio explicou que há duas habilidades que precisam ser desenvolvidas para alcançarmos nossos objetivos: a resiliência e a ressignificação. A resiliência é a capacidade de superar situações difíceis e adversas, e a ressignificação é a possibilidade de focar nossa atenção nos aspectos positivos da realidade. Ao longo de sua exposição, Cláudio contou sua história de vida, e demonstrou a aplicação prática desses dois conceitos.
Na época em que os pais de Cláudio descobriram sua doença, a previsão era de que uma criança com esse diagnóstico sobreviveria apenas até os sete anos de idade. “Mas fui abençoado com os pais que tive. Vejo casos de pais que vivem em um permanente sentimento de luto, como se o diagnóstico de um filho deficiente fosse algo que conduzisse à escravidão ou à morte. Meus pais conseguiram sair desse luto e desenvolver resiliência e ressignificação. Com resiliência, buscaram todos os recursos o que existiam, na ciência ou na religião. E, com ressignificação, pensaram que, se eu fosse viver por apenas sete anos, esses deveriam ser os melhores sete anos possíveis”, refletiu.
Cláudio ressaltou que a postura dos seus pais teve um impacto direto na sua qualidade de vida. Na época, havia um grande tabu em torno desse tema, e muitas famílias escondiam a existência de crianças deficientes. “Meus pais faziam questão de me levar para passear, ir nas pracinhas, em todos os ambientes. Às vezes, passava alguém por mim e fazia o sinal-da-cruz, ou a mãe de uma criança dizia que ela não podia me olhar porque ficaria igual a mim. Mas minha mãe me explicava que isso só acontecia porque essas pessoas não tiveram tempo de me conhecer, e por isso não sabiam o quanto eu era maravilhoso e especial. Isso me ajudou muito. Conheço pessoas com deficiência que se enclausuram em casa porque não suportam ser observados como diferentes. São sutis coisas da vida que acabam afetando de modo determinante nosso grau de inclusão ou exclusão”, observou.
Ao longo das consultas médicas, ficou cada vez mais nítida a diferença de desenvolvimento entre Cláudio e pacientes com a mesma doença. “Enquanto outras crianças eram apáticas e não-comunicativas, eu era sorridente e já aprendia as primeiras palavras”, relembra. Quando chegou aos quatro anos de idade, sua mãe decidiu matriculá-lo em uma escola. “O intuito não era o de me preparar para um futuro profissional, porque achavam que eu viveria pouco. Mas ela entendeu que, na escola, eu teria mais oportunidades de fazer novas amizades, experimentar novas brincadeiras”, disse. Contudo, a vontade da mãe de Cláudio encontrou muitos obstáculos. Ela tentou matrícula em diversas escolas do município, públicas e privadas, e todas negavam o pedido alegando que não estavam preparadas para recebê-lo. A matrícula de Cláudio foi rejeitada inclusive em uma escola para crianças especiais, porque ele não foi considerado deficiente intelectual. “Minha mãe não encontrou apoio nas leis humanas, então recorreu às leis divinas”, recordou Cláudio. Na última tentativa, ela procurou uma escola confessional, mantida por padres. “Quando o diretor rejeitou a matrícula, minha mãe questionou se Deus me amava. O diretor respondeu que sim, claro, porque Deus ama todas as crianças. Então ela disse: ´Nesse caso, o senhor é maior do que Deus ou Deus é mentiroso. Porque, se ele ama a todos igualmente, e o senhor diz que meu filho não pode entrar aqui porque é diferente, há uma contradição’. Com isso, o diretor se desconcertou e propôs que haveria um período de experiência e que, se eu conseguisse acompanhar o ritmo dos outros alunos, seria aceito na escola”.
Apesar de ter apenas quatro anos, Cláudio foi matriculado diretamente na primeira série, porque a escola entendeu que essa seria a única forma de avaliar seu ritmo de aprendizagem. A sala era no segundo andar e ele precisava ser carregado até sua cadeira, que ficava bem junto à mesa da professora. No intervalo, ele ficava sozinho na sala aguardando até que todos retornassem. No final do primeiro trimestre das aulas, o diretor chamou a mãe de Cláudio e lhe entregou um certificado, dizendo que seu desenvolvimento superou o dos outros alunos. Conforme o diretor, Cláudio já sabia ler e escrever perfeitamente, e não precisaria mais frequentar a escola. “Minha mãe ficou feliz com o meu desempenho. Mas, para um filho naquela situação, de que adiantava conhecer letras e números, mas não conhecer seus colegas? O que adiantava eu formar palavras e frases, mas não formar amizades? Por isso, ela falou para o diretor que eles tinham feito um acordo, e que ele deveria ser cumprido. Assim, eu fui matriculado em definitivo na escola”, contou.
Com o passar do tempo, a situação de Cláudio na escola melhorou. Na segunda série, sua sala já ficava no andar térreo, e era possível acompanhar as brincadeiras das crianças no recreio pela janela. A partir da terceira série, ele passou a estudar em uma sala plenamente acessível, e qualquer criança poderia pegar sua cadeirinha e levá-lo para dentro ou para fora. “Mas o grande diferencial foi quando um professor criou o projeto ‘ajudante do dia’. Todos os dias, um aluno era escolhido para ser meu ajudante. Isso fez com que eu conhecesse cada colega, e cada colega me conhecesse. Foi o momento em que a escola explicou para os alunos quem eu era, qual era a minha deficiência, quais eram as minhas limitações, e isso ajudou as crianças a entenderem que elas também tinham que se comprometer em me auxiliar”, disse. Cláudio lembra que, a partir daí, seu relacionamento com os colegas melhorou muito, e as crianças eram estimuladas a encontrar soluções para incluí-lo em todas as brincadeiras.
Durante a palestra, Cláudio destacou que as habilidades de resiliência e ressignificação, incentivadas por seus pais, e a constante convivência social, foram os grandes responsáveis por ele ter conseguido um bom desenvolvimento, que superou as expectativas previstas inicialmente pelos médicos. Além da graduação em Psicologia, a formação de Cláudio inclui um mestrado e um doutorado em Educação. No mestrado, criou um teclado virtual, com fonemas e sílabas agrupadas, para pessoas com deficiência digitarem com mais velocidade. No doutorado, desenvolveu um projeto que utiliza a transmissão de sinais cerebrais e possibilita que o usuário escreva no teclado apenas piscando os olhos. A história de superação de Cláudio já foi tema de uma reportagem no programa Fantástico, da Rede Globo. “Atualmente, sou o responsável pelos programas de aprendizagem das escolas municipais. As mesmas escolas que um dia negaram a minha matrícula. São nossos desejos e sonhos, e não nossas limitações, que determinam até onde podemos chegar”, concluiu.
Documentário sobre inclusão das pessoas com deficiência no TRT-RS
Após a palestra de Cláudio Luciano Dusik, foi exibido o vídeo “Quem somos nós”, produzido pela Secretaria de Comunicação Social do TRT-RS em parceria com a Escola Judicial e o Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade. A obra reúne entrevistas com oito servidores, lotados em Caxias do Sul, em Erechim e na Capital. Eles foram chamados a falar sobre suas experiências pessoais e profissionais como pessoas com deficiência e também sobre o papel dos colegas e dos gestores no acolhimento e na inclusão dos trabalhadores com essa condição.
No final da tarde, os representantes do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Rio Grande do Sul (Sintrajufe/RS) se reuniram com o público debater a reorganização do Núcleo de Pessoas com Deficiência.