Balanço crítico e harmonização entre liberdade de expressão e proteção de dados foram temas de painel sobre o Código Civil na EJud-4
A Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) recebeu, na tarde desta sexta-feira (4/8), os professores Judith Martins-Costa e Miguel Reale Júnior, que falaram sobre temas relacionados ao Código Civil Brasileiro. O painel teve como objetivo comemorar os 20 anos de vigência do diploma legal, completados em 2023. O evento ocorreu no Auditório Ruy Cirne Lima do Foro Trabalhista de Porto Alegre e foi prestigiado por magistrados, servidores, procuradores, advogados, estudantes e demais interessados no assunto. Judith Martins-Costa é professora Doutora em Direito, árbitra e parecerista. Miguel Reale Júnior é ex-ministro da Justiça, advogado e professor sênior da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A mediação da atividade ficou a cargo da juíza do Trabalho Cláudia Elisandra de Freitas Carpenedo.
Ao iniciar o evento, o vice-diretor da Escola Judicial, desembargador Fabiano Holz Beserra, saudou os participantes e ressaltou a notoriedade jurídica de ambos, cujo prestígio é reconhecido em todo o país. O magistrado também lembrou que, apesar do contrato de trabalho ter suas especificidades e regulamentações próprias, os operadores do Direito do Trabalho utilizam-se de institutos importantes do Código Civil, e por isso a relevância de ouvir especialistas no tema.
Na mesma direção, o vice-presidente do TRT-4, desembargador Ricardo Martins Costa, destacou que o Direito do Trabalho é um ramo autônomo, mas que esse processo de afirmação decorreu do Direito Civil. Segundo o magistrado, institutos fundamentais como personalidade, capacidade jurídica, ato jurídico, negócio, prescrição, decadência, entre outros, precisam estar na ponta da língua de quem opera com o Direito do Trabalho. "Nesse contexto, é muito importante termos aqui hoje dois juristas prestigiados para abordar a parte geral do Código Civil e questões sobre privacidade e Lei de Proteção de Dados. Sintam-se ambos em casa nessa Escola Judicial", finalizou.
Balanço crítico
Já no início de sua participação, a jurista Judith Martins-Costa ressaltou que muitos institutos relevantes para o Direito do Trabalho estão na parte geral do Código Civil, e por isso é importante que quem opera com o Direito do Trabalho conheça bem essa região do Código, não apenas pelos conceitos que apresenta, mas pela visão de sistema que traz.
Segundo ela, um dos aspectos mais importantes desse diploma legal é sua "diretriz de método", que consiste em ser uma lei central, um ponto de referência, mas sem pretensão de totalidade, à qual as demais leis podem se conectar. "O Código deve ser apto tecnicamente a receber novidades de fora para dentro e, também, capaz de ser 'transformável' de dentro para fora, ao apresentar soluções a partir dos seus princípios", analisou.
Na visão da palestrante, a parte geral do Código Civil tem a função de assegurar a unidade lógica e conceitual ao Direito, permitindo que avanços da sociedade sejam também abarcados por esses conceitos. "Hoje se discute, por exemplo, se inteligência artificial tem personalidade. Essa flexibilização só é possível porque os conceitos dessa parte são gerais", exemplificou, ao defender que, caso cada lei tivesse seus próprios conceitos sobre o mesmo instituto, poderia haver insegurança jurídica, contradições valorativas e, inclusive, arbítrio.
Liberdade de expressão e proteção da vida privada
No segundo momento do painel, o jurista Miguel Reale Júnior destacou, a partir de conceitos do Código Civil e da Lei de Proteção de Dados, os conflitos atuais a respeito da liberdade de comunicação e de expressão diante da necessidade de proteção da vida íntima e privada. Conforme o palestrante, a harmonização desses princípios é fundamental na atualidade, sobretudo a partir do avanço das tecnologias ligadas à internet.
Nesse sentido, o jurista mencionou algumas distinções, como "vida íntima" e "vida privada", utilizadas nas análises desses casos. Como ressaltou, vida íntima está relacionada ao que se fala ou faz "entre quatro paredes", ou seja, as convicções pessoais de cada um quanto à política, religião, sexualidade, as idiossincrasias pessoais, as formas de vivências ou de receber pessoas em casa, dentre outros fatores, que devem ser protegidos em grau mais rigoroso que a vida privada. Esta seria relacionada a dimensões da vida como formas de trabalho, de manifestação, entre outros 'universos' que compõe a vida das pessoas.
Para ilustrar esse conflito, o palestrante mencionou duas questões recentes julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF): a necessidade de autorização para a elaboração de biografias e o direito ao esquecimento. "Só com liberdade de criação se pode ter uma comunicação eficiente, consistente na biografia de interesse histórico", afirmou quanto ao primeiro aspecto, sobre o qual o STF decidiu que não é necessária autorização para a circulação de biografias no país. "Se a vida humana é constituída de diversas dimensões, todas precisam ser conhecidas, não se pode excluir fatos negativos com base no direito ao esquecimento", avaliou em relação à segunda questão, indo na mesma direção do julgamento do STF.
Segundo o jurista, a LGPD, como o próprio nome diz, é uma lei protetiva, já que dados sensíveis devem ser preservados, porque podem ser utilizados em condutas discriminatórias. "Somos vulneráveis diante da internet. A LGPD preserva a livre construção da personalidade e não permite que dados sensíveis como origem etnica, cor, nome, convicções políticas ou religiosas, possam ser usados em processos de discriminação", ressaltou.