Ir para conteúdo Ir para menu principal Ir para busca no portal
Logotipo Escola Judicial

Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região

Escola Judicial

Publicada em: 05/06/2014 00:00. Atualizada em: 05/06/2014 00:00.

Stalking e responsabilidade civil

Visualizações: 260
Início do corpo da notícia.

Introdução

Este trabalho tem como escopo central apontar como o direito civil brasileiro responde aos casos de stalking, para tanto, será feita uma breve análise do tema, para posteriormente demonstrar o entendimento dos tribunais brasileiros.

Cometer stalking é instigar o medo e criar incertezas. Não são raros os casos que envolvem grave violência e até morte. Esse comportamento começa com atitudes inocentes, que em um primeiro momento são vistas como “um mero incidente” ou uma demonstração exagerada de zelo e amor, longe de ser algo destrutivo, mas que com o tempo pode se tornar algo extremamente perigoso.[1]Abre em nova aba

O ato ainda não é criminalizado no Brasil, diferentemente de outras nações, que possuem leis severas para o fenômeno. Todavia, o novo código em trâmite já apresenta a criminalização do tema.

2 Conceito de stalking

A palavra stalking é fruto das práticas de caça e foi transformada para ser aplicada no direito penal. O termo derivado verbo stalk, que não tem uma tradução exata para o português, mas se aproxima de “perseguir incessantemente” (no contexto da caça é quando o predador persegue a presa de forma contínua). Os stalkers são “perseguidores” que possuem um comportamento obsessivo direcionado a outra pessoa, eles procuram sempre, agindo de forma intencional e de acordo com um curso de conduta, seguir, obter informações e controlar a vida de outra pessoa, causando dano psicológico.[2]Abre em nova aba

A doutrina estrangeira[3]Abre em nova aba, ao abordar o assunto, coloca em evidência alguns aspectos essenciais para entender o stalking. O primeiro, e mais evidente, é a repetição dos atos. Tais atos não são necessariamente crimes, eles só se tornam uma ofensa a partir da repetição em um curto período de tempo, ou seja, para o stalking ser caracterizado, o ofensor tem de realizar a ação pelo menos duas vezes. Outro ponto importante é o dano psicológico provocado na vítima. Ora, para que se verifique ostalking, a vítima deve temer por sua segurança ou de seus familiares, seja medo de perder a vida ou de sofrer lesões corporais. O cerne da discussão não está no dano físico, mas sim o psicológico. O Instituto Nacional de Justiça dos Estados Unidos[4]Abre em nova aba, através do Departamento Nacional de Violência Contra Mulheressugeriu a seguinte definição de stalking:

Um curso de conduta direcionado a uma pessoa específica que envolve repetitivas aproximações físicas ou visuais; comunicação não consensual, ou verbal, ameaças escritas ou implícitas; ou uma combinação que causaria medo a uma pessoa razoável.[5]Abre em nova aba

Basicamente, são quatro núcleos que devem ser observados para que ocorra ostalking: curso de conduta, perseguição, ameaça plausível e dano psicológico.

Curso de conduta nada mais é que uma série de atos direcionados à vítima buscando causar medo e controlar a mesma. Perseguição é o assédio, a atormentação. A ameaça plausível é ação realizada pelo ofensor para causar medo em outrem, enquanto o dano psicológico é o resultado final causado.

Apenas para exemplificar, imagine um caso onde o autor começa a perseguir sua ex-mulher após o término do relacionamento. Deixa recados, efetua telefonemas e envia mensagens das mais variadas (e-mails, mensagem por celular, carta), de forma diária durante um período de tempo, mesmo após a vítima ter deixado claro que não deseja de reestabelecer o relacionamento. As mensagens contêm ameaças implícitas, como por exemplo: “volta para mim ou algo muito sério pode acontecer contigo”. Observe que o autor utilizou-se de um curso de conduta, realizar repetidos telefonemas e deixar várias mensagens, para causar medo na vítima. A perseguição fica evidente no assédio realizado, enquanto a ameaça plausível está inserta na mensagem e na repetição de atos (a repetição em si é uma forma de ameaça).

Stalking e Dano Moral

Feita a breve análise estrutural da ofensa, de acordo com a doutrina estrangeira, é forçoso realizar um pequeno paralelo com a definição de dano presente em nossocódex civil.

É pacífica a interpretação de que para ser observada a responsabilidade civil, é necessária a presença de alguns requisitos: ação ou omissão, contrariedade ao direito ou ilicitude, dano e nexo de causalidade[6]Abre em nova aba.

Nesta senda, é possível observar que os casos de stalking se encaixam perfeitamente no instituto da responsabilidade civil. A ação está no “perseguir” realizado pelo ofensor, os constantes “presentes” enviados, as diversas ligações efetuadas, e-mail, etc. A ilicitude está presente no exagero das aproximações realizadas, na repetição dos atos e na ameaça (seja direta ou indireta). O dano é o psicológico, de ordem moral. As diversas ameaças perpetuadas acabam minando a confiança da pessoa que sofre a perseguição, abalando o seu dia a dia e prejudicando diretamente sua vida. Por derradeiro, o nexo de causalidade está presente justamente na simbiose entre a ação do ofensor e o dano causado à vítima.

Na enorme maioria dos casos, a ofensa é cometida por homens que não aceitam o término de um relacionamento e passam a perseguir suas ex-companheiras, seja no trabalho, em casa, virtualmente, etc.

É comum que o ofensor realize várias ligações durante o dia, mande e-mails ameaçando a vítima, envie presentes desagradáveis ao local de trabalho (o mais comum são itens de sex shops) ou comecem a minar a credibilidade da pessoa perante o círculo de amigos em comum, situações que claramente se encaixam como ilicitude civil.

Os Tribunais brasileiros não são silentes sobre o tema. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já se pronunciou:

Civil. Responsabilidade civil. Danos morais. Stalking. Ação indenizatória. Abuso de direito. Assédio moral e psicológico. Rompimento de relacionamento amoroso. União estável. Constituição de novo vínculo afetivo pela mulher. Ex-companheiro que, inconformado com o término do romance, enceta grave assédio psicológico à sua ex-companheira com envio de inúmeros e-mails e diversos telefonemas, alguns com conteúdo agressivo. Perseguição na residência e no local de trabalho. Ameaça direta de morte. Condutas que evidenciam abuso de direito e, portanto, ilícito a teor do disposto no artigo 187 do Código Civil de 2002. Tipificação da conduta ilícita do stalking. Danos morais reconhecidos. Indenização fixada com proporcionalidade e razoabilidade diante das circunstâncias do caso concreto. Sentença mantida. Recurso desprovido.[7]Abre em nova aba

O Magistrado, ainda, no corpo de sua decisão discorre:

Decerto que por amor, paixão ou saudade, qualquer pessoa pode (e em muitos casos, deve) tentar por todos os meios reconciliar-se com o objeto de seus sentimentos, mas não se pode fazê-lo a outrance. Há limites e o limite é aintegridade psicológica do outro. É a paz interior. O inconformismo do amante não pode se transformar num estorvo nocivo à vida de ex-namoradas, mulheres e companheiras. O limite é o bom senso e aqui o apelante extrapolou do que se considera razoável. Abusou de seu direito de reconquista e, por isso, praticou ato ilícito (artigo 187Abre em nova aba do Código Civil de 2002Abre em nova aba). Evidente, assim, a ocorrência de dano moral.[8] (grifo nosso)

Observa-se que o desembargador não deixa espaço para outra interpretação senão a de que houve ato ilícito e a configuração do dano moral, inclusive demonstrando objetivamente o motivo disto.

A reparação civil pelo stalking não é privilégio do Tribunal do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais assim se manifestou, no corpo do acórdão:

A despeito de já ter sido decretada o término da sociedade conjugal, o réu, inconformado com a obrigação de prestar alimentos à autora, passou a importuná-la de forma agressiva e ostensiva, promovendo o que a doutrina vem denominando deassédio por intrusão ou "stalking”. O apelante agiu com perversidade minando a apelada, na tentativa de desqualificá-la perante o seu círculo, com o propósito de compeli-la a desistir dos alimentos fixados na ação de separação judicial. Tais condutas comprovam a violação da privacidade e intimidade da apelada e constrangimento por ela suportados com conseqüente dano psicológico emocional. Impossível acolher a tese de que o apelante agiu no exercício regular do seu direito, porquanto deveria ter se valido dos meios que o ordenamento jurídico lhe faculta a fim de ver-se exonerado da obrigação que lhe foi imposta. Em nenhum momento, o ordenamento jurídico lhe autoriza a agir da forma inoportuna como agiu, ofendendo e ameaçando a apelada, praticando assédio moral inaceitável e que não prescinde da devida sanção.[9]Abre em nova aba (grifos nosso)

O comportamento utilizado pelo réudesqualificar a vítima perante o círculo social da mesma, é típico do stalker, tanto é verdade que o magistrado não titubeou ao denominar a situação como stalking, inclusive “traduzindo” o termo para “assédio por intrusão”. Outro assunto levantado pelo desembargador foi, novamente, o dano psicológico suportado pelo sujeito passivo. O relator responsável também entendeu que a vítima sofreu danos de ordem moral neste caso, devido, principalmente, pelo dano psicológico causado na vítima.

Não é por mera coincidência que o dano psicológico aparece em ambos julgadossupracitados, é a correta interpretação da ofensa, sendo perfeitamente possível e recomendável a condenação de um stalker em danos morais.


[1]Abre em nova aba MELO, Jamil Nadaf de. O crime de stalking e seu reflexo na legislação brasileira. UFSC: Florianópolis. Monografia, 2012, 71 p. Sob orientação de Alexandre Morais da Rosa.

[2]Abre em nova aba Id. Ibid.

[3]Abre em nova abaPROCTOR, Mike. How to Stop a Stalker. New York: Prometheus Books. 1º ed. 2003.

[4]Abre em nova abaNational Instute Of Justice

[5]Abre em nova aba TJADEN, Patricia. Stalking in America: Findings from the National Violence Against Women Survey. Washington: National Institute Of Justice, 1998, tradução nossa, (A course of condut directed at a specific person that involves repeated visual or pysical proximity; non-consensual communication; or verbal, written or implied treats; or a combination thereof that would cause a reasonable person fear).

[6]Abre em nova aba GAGLIANO. Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume I: Parte Geral. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 441.

[7]Abre em nova aba BRASIL. Tribunal e Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível 2008.001.06440. Reparação civil. Danos Morais. “Stalking”. Assédio moral e psicológico. Des. Relator Marco Antonio Ibrahim. J. 10/06/2008. Disponível em:. Acesso em 03/06/2014.

[8]Abre em nova aba Id. Ibid.

[9]Abre em nova aba BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível 1.0024.08.841426-3/001. Reparação de danos morais. Assédio por Intrusão ou Stalking Des. Relator Alberto Henrique. P.1. J. 31/03/2011. Disponível em. Acesso em 03/06/2014

Fim do corpo da notícia.
Fonte: www.jusbrasil.com.br, acesso em 4 de junho de 201
Tags que marcam a notícia:
biblioteca
Fim da listagem de tags.

Últimas Notícias