Qual a diferença entre as justiças restaurativa, reparatória e negociada?
São, basicamente, três os modelos de resposta ao cometimento de um crime:
A) Dissuasório clássico: inspirado pela ideia de retribuição, consiste na simples imposição de pena, medida suficiente para retribuir o mal causado pela prática criminosa e para evitar o cometimento de novos delitos;
B) Ressocializador: tem a finalidade de reintegrar o delinquente à sociedade (prevenção especial positiva);
C) Consensuado: tem o propósito de trazer à Justiça criminal modelos de acordo e conciliação que visem à reparação de danos e à satisfação das expectativas sociais por justiça.
Pode ser dividido em:
(1) modelo pacificador ou restaurativo, voltado à solução do conflito entre o autor do crime e a vítima (reparação de danos) e;
(2) modelo de justiça negociada (plea bargaining), em que o agente, admitindo a culpa, negocia com o órgão acusador detalhes como a quantidade da pena, a forma de cumprimento, a perda de bens e também a reparação de danos.
Vê-se, especialmente pela introdução do modelo de Justiça consensual, que a resposta para o crime tem sofrido o influxo de novas ideias, voltadas para uma solução cada vez menos retributiva (meramente punitiva) e mais construtiva (reparadora).
Nesse contexto, têm adquirido importância no cenário jurídico-penal as Justiças Restaurativa, Reparatória e Negociada.
A Justiça Restaurativa, baseada num procedimento de consenso envolvendo os personagens da infração penal (autor, vítima e, em alguns casos, a própria comunidade), sustenta que, diante do crime, sua solução perpassa pelarestauração, ou seja, pela reaproximação das partes envolvidas para que seja restabelecido o cenário anterior (de paz e higidez das relações sociais).
Representa um rompimento com a tradicional “usurpação”, pelo Estado, da relação vítima-infrator, possibilitando o surgimento de uma nova perspectiva que quebra a dualidade da função da pena, até então restrita à retribuição e à prevenção, incluindo a restauração como nova possibilidade.
Temos aqui a denominada “terceira via do direito penal”, definida por Claus Roxin como a aquela em que se privilegia a reparação do dano, paralelamente às demais vias, consistentes na pena e na medida de segurança. Tem caráter autônomo, pois, uma vez aplicada, deve servir para alcançar as finalidades das sanções penais, e, na medida em que as alcance, deve substituí-las.
Há, no caso, uma simbiose entre elementos do direito civil (reparação em si) e do direito penal (esforço e interesse do agente criminoso na atenuação dos efeitos de sua conduta, o que representa o alcance das finalidades de ressocialização e de prevenção especial).
O que fundamenta a reparação dos danos como terceira via é sobretudo a subsidiariedade, ou seja, o Estado renuncia à aplicação da sanção penal porque as finalidades e a necessidade da pena foram cumpridas por meio de uma conduta positiva alternativa e mais eficaz.
Neste modelo, a solução do conflito não é promovida diretamente pelo órgão de justiça criminal, mas por um integrante de um órgão específico de mediação.
Já a Justiça Reparatória se faz por meio da conciliaçãopromovida pelos órgãos integrantes do sistema criminal, como ocorre na transação penal (Lei nº 9.099/95) e nos termos de ajustamento de conduta para a reparação dos danos ambientais nas infrações da Lei nº 9.605/98.
A Lei nº 11.719/08 (que alterou o CPP) confirma essa tendência a partir do momento em que permite ao juiz, na sentença condenatória, fixar valor mínimo indenizatório à vítima.
Por fim, na Justiça Negociada, proveniente sobretudo do direito americano, o agente e o órgão acusador acordam acerca das consequências da prática criminosa, o que, evidentemente, pressupõe a admissão de culpa.
Trata-se do denominado plea bargaining, que pode consistir na:
A) negociação sobre a imputação (charge bargaining);
B) sobre a pena e todas as consequências do delito, como o perdimento de bens e a reparação de danos (sentence bargaining);
C) sobre ambas.
Não se identifica esta liberdade de acusação no sistema jurídico brasileiro, em que o órgão do Ministério Público tem atuação vinculada ao conjunto probatório proveniente da investigação, ou seja, a imputação deve ser estritamente relativa ao crime demonstrado.
Além disso, a pena é aplicada por decisão exclusiva do juiz, sem possibilidade de influência direta do órgão acusador.
É possível, ainda no âmbito da Justiça Negociada, que o agente seja beneficiado em virtude da relevância de sua colaboração, como na situação em que o componente de uma organização criminosa aponta os demais agentes e revela detalhes de suas atividades delituosas, permitindo o desmantelamento da estrutura, a recuperação de bens e ativos, a libertação de vítimas em sequestros etc.
Este sistema é aplicado no Brasil por meio de diversos diplomas legais, dentre os quais se destaca a Lei nº 12.850/13, que, no art. 4º, dispõe:
“O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; I
V – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada”.
Bibliografia: Rogério Sanches.