Evento prepara servidores e magistrados para vivências em territórios quilombolas e indígenas
O TRT-RS realizou, na terça-feira (2/12), o evento telepresencial “Vivências nos Territórios de Povos Tradicionais e Acesso à Justiça”, organizado pelo Comitê Gestor de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade e pelo Memorial da Justiça do Trabalho do RS.
A atividade integra a formação sobre o tema destinada a magistrados, servidores e estagiários do Tribunal. Essa primeiro encontro foi obrigatório para quem deseja participar das vivências presenciais com povos quilombolas e indígenas, que devem ocorrer em 2026.
A mediação ficou a cargo da servidora Fernanda Maria Aguilhera dos Santos, da Escola Judicial, com a participação da coordenadora do Comitê de Equidade, juíza Lúcia Rodrigues de Matos.
Reconhecimento jurídico e camadas de violência
A advogada e pesquisadora Tábata Silveira dos Santos chamou atenção para a distância entre o sistema de Justiça e as realidades quilombolas. Ela afirmou que as evidências de existência dos quilombos estão além dos registros documentais. A pesquisadora acrescentou que muito do que acontece nos quilombos não está nos autos dos processos, mas sim na memória oral e corporal das pessoas. Isso aparece nos testemunhos, na sabedoria dos mais velhos, nas festividades e nas danças. “Essas também são linguagens que falam sobre a existência quilombola, e que já poderiam ser suficientes para se garantir o direito”, refletiu.
Tábata destacou ainda que diversas violações sofridas pelas comunidades costumam se sobrepor ao longo do tempo. Ao relatar o caso de um incêndio criminoso em um quilombo rural em São Gabriel, observou que a notícia era apenas a camada superficial, pois outras violências já vinham atingindo o território. Segundo Tábata, muitas vezes as próprias vítimas não conseguem registrar ocorrências ou são desconsideradas, o que reforça desigualdades históricas. Para ela, é essencial que operadores do Direito questionem não a falta de documentos, mas por que as famílias deixaram de viver naqueles locais. “Muito mais do que provar que as pessoas descendem de escravos, seria necessário apurar os crimes que fizeram elas perderem acesso às terras”, afirmou.
Quilombo do Areal e a luta pela permanência
A líder comunitária Fabiane Xavier apresentou a realidade do Quilombo do Areal, localizado entre os bairros Cidade Baixo e Menino Deus, área valorizada de Porto Alegre. Ela lembrou que a comunidade existe há mais de 150 anos e que a luta segue sendo pela permanência no território de pertencimento. Segundo Fabiane, muitas pessoas desconhecem que há quilombos urbanos na capital. “Não há interesse em mostrar as comunidades quilombolas, só há visibilidade quando nós mesmas articulamos”. Ela acrescentou que os quilombos são espaços de resistência com uma história secular, e que todos estão envolvidos na mesma luta por reconhecimento.
Fabiane relatou dificuldades ligadas à pressão da especulação imobiliária, à morosidade nos processos de titulação e ao afastamento gradual de famílias devido à falta de segurança territorial. Também destacou que os quilombos precisam ter acesso a políticas públicas, mas é importante que elas sejam construídas em conjunto com as comunidades, de modo a atender suas reais necessidades. “Nas comunidades quilombolas há crianças, adolescentes, adultos e idosos. Há necessidades diferentes e temos que dar conta de todas: escola, universidade, postos de saúde ou emprego. Precisamos articular ações que venham a favorecer os moradores”, afirmou.
Resistência no Quilombo dos Machado
O líder do Quilombo dos Machado, Luís Rogério Machado, conhecido como Jamaika, destacou o papel da resistência diante do racismo estrutural no Rio Grande do Sul. Ele lembrou que o estado possui mais de 200 comunidades quilombolas, mas poucas avançam na titulação. Jamaika relatou episódios de mobilização da comunidade para garantir certificações e documentos fundamentais para a regularização fundiária. “O quilombo é o maior símbolo de resistência da comunidade preta no país”, afirmou.
Jamaika também abordou a violência contra quilombolas e a ausência de políticas públicas efetivas. Ao falar sobre direitos humanos, questionou: “Direitos para quem? Onde está a verdadeira justiça para os quilombos?” Ele relatou casos de lideranças ameaçadas e assassinadas, dificuldades de acesso a serviços, e a necessidade de fortalecer o conhecimento de membros do Judiciário sobre a realidade nos quilombos. Para Jamaika, a titulação é a principal política pública que as comunidades podem ter, pois garante segurança para a busca de uma reparação. “Continuamos sendo os mais mortos, os mais humilhados, os que não tem visibilidade. Não podemos deixar de lutar”, declarou.


